Folha de S. Paulo


BRASIL 27: DESCARTE CORRETO

Com o grande avanço da tecnologia e com o elevado uso de equipamentos eletrônicos na modernidade do século 21, nos deparamos com um grande problema ambiental: o lixo eletrônico, conhecido em inglês por e-waste. Trata-se de todo resíduo material proveniente do descarte de equipamentos eletrônicos. Estes são compostos por substâncias químicas, que contaminam solo e água, e por grande quantidade de plástico, metais e vidro, que apresentam elevados tempos de decomposição. O lixo eletrônico não prejudica somente o ambiente, ele pode também provocar doenças graves em pessoas que o coletam em lixões, terrenos baldios ou na rua.

De acordo com relatórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o lixo eletrônico representa cerca de 5% de todo o lixo urbano produzido no mundo. Essa produção de lixo cresce cerca de 40 milhões de toneladas a cada ano. A grande preocupação das Organizações das Nações Unidas (ONU) é que os países emergentes terão sérios problemas ambientais e de saúde pública se não souberem reaproveitar, reutilizar e reciclar os equipamentos e insumos de componentes eletrônicos.

Fotos: Renan Dequêch
ONG recebe todos os tipos de lixo eletrônico
ONG recebe todos os tipos de lixo eletrônico

Entre os países emergentes, o Brasil é o que mais gera lixo eletrônico per capita, descartando 97 mil toneladas de computadores, 2,2 mil toneladas de celulares e 17,2 mil toneladas de impressoras, superando a China. Visando melhorar esse quadro, a Casa Civil da Presidência da República sancionou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que tem como objetivo instruir e tornar obrigatória a destinação correta dos resíduos eletroeletrônicos no Brasil. Segundo a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, devem ser estruturados e implementados sistemas de logística reversa, que viabilizam o retorno de certos tipos de resíduos sólidos ao setor responsável por sua produção/distribuição, para a destinação correta. As fábricas e lojas possuem até o ano de 2014 para se adequarem às regras estabelecidas.

A aprovação dessa lei marcou o início da expansão de uma indústria de logística reversa de lixo eletrônico, até então pouco explorada no Brasil. A necessidade da destinação correta desse lixo foi a peça final do quebra-cabeça que vinha sendo montado pelo empresário Alessandro Dinelli, 39, que resultou na criação da Descarte Correto, em 2010, - uma empresa especializada na gestão de resíduos tecnológicos que trabalha desde a coleta até a reciclagem e destinação correta destes resíduos.

A empresa como se encontra hoje é fruto do desdobramento de várias ações anteriores. Tudo começou em 2000, quando Alessandro e seu irmão, André, selecionavam jovens para trabalhar na empresa da qual eram donos e perceberam que grande parte deles não tinha conhecimento algum de informática básica. A exclusão digital tem um grande impacto na empregabilidade e na qualidade de vida das pessoas. Sentiram, portanto, necessidade de se trabalhar para permitir a inclusão digital dos jovens em diversas comunidades pelo Estado do Amazonas.

Assim, utilizando quatro computadores que não estavam mais adequados aos objetivos da empresa, mas que poderiam ser muito bem utilizados para a inclusão digital desses jovens, eles inauguraram o primeiro Centro de Inclusão Digital da Amazônia em Maués. O projeto formou cerca de 90 pessoas somente na primeira turma. Posteriormente, vários outros foram criados a partir de doações de equipamentos obsoletos de empresas e, em 2004, a ONG Comitê para a Democratização da Informática Amazônia (CDI Amazônia) foi oficialmente constituída. Em 2009, já existiam 15 CDIs e mais de 15 mil pessoas haviam sido impactadas.

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Apesar do importante trabalho realizado, os centros, em sua maioria, não eram financeiramente sustentáveis. As taxas cobradas dos alunos, R$ 15,00, que visavam a manutenção dos centros, não eram suficientes. Além disso, a ONG estava acumulando um passivo ambiental e necessitava dar o destino correto a esse lixo. Assim, a criação da Descarte Correto objetivou enfrentar esses desafios.

A empresa recebe todos os equipamentos tecnológicos de seus cliente -órgãos do governo, empresas privadas e usuários-, tanto em funcionamento quanto com defeito. São computadores, notebooks, celulares, mouse, teclados, estabilizadores, monitores e outros similares. Ao recebê-los, estes são desmontados, descaracterizados, recondicionados e adaptados. Posteriormente, são realizadas as etapas de montagem, instalação de software, limpeza e embalagem. Os computadores remontados são encaminhados para os centros de inclusão digital em regime de comodato, e os resíduos são destinados a empresas parceiras de reciclagem.

Projeto formou 90 pessoas somente na primeira turma em cursos de capacitação profissional
Projeto formou 90 pessoas somente na primeira turma em cursos de capacitação profissional

Além disso, a empresa oferece um programa de capacitação para jovens, o "Acelere sua qualificação profissional", que os prepara para o mercado de trabalho como auxiliar técnico em manutenção de computadores e redes. Alguns desses jovens são contratados pela própria Descarte, no processo de desmontagem e recondicionamento do material recebido. Desta maneira, a empresa possui uma abordagem holística da logística reversa do lixo eletrônico, englobando quatro pilares: reciclagem, inclusão social, capacitação e geração de emprego.

O grande desafio para o futuro é a expansão do negócio. "Não faltam convites para expandir", afirma Alessandro. "É necessário estudar qual o melhor formato para a expansão: franquia, licenciamento etc.", diz. Sua grande preocupação é garantir o foco social do negócio, caso ocorra a entrada de um novo investidor.

Legenda: O Brasil é o país emergente que mais gera lixo por pessoa Crédito: Renan Dequêch
O Brasil é o país emergente que mais gera lixo por pessoa Crédito: Renan Dequêch

PROJETO BRASIL27

Iniciativa conjunta dos jovens Fabio Serconek e Pedro Henrique G. Vitoriano com o Ceats (Centro de Empreendedorismo e Administração em Terceiro Setor da Universidade de São Paulo), o Brasil27 está visitando todos os Estados brasileiros para estudar, em cada um deles, um exemplo de negócio social. O projeto conta com o apoio do ICE (Instituto de Cidadania Empresarial), das fundações Avina e Rockefeller, e da Rede Omidyar.

Os registros da jornada ficarão disponíveis no blog do projeto e serão publicados aqui, semanalmente, às segundas-feiras, no Empreendedor Social.


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