Folha de S. Paulo


Em meio a greve de professores, RS regulamenta voluntários nas escolas

Ronaldo Bernardi/Agência RBS/Folhapress
Protesto de professores contra o governo gaúcho, em frente ao Palácio Piratini
Protesto de professores contra o governo gaúcho, em frente ao Palácio Piratini

Em janeiro de 2002, o Rio Grande do Sul regulamentava por lei estadual o voluntariado no serviço público. Desde então, a decisão foi aplicada em alguns órgãos, como o Tribunal de Contas e o Tribunal de Justiça.

Ao fim do mês passado o governo do Estado resolveu dar novo uso para a lei. Em meio a uma greve de professores que já dura mais de 90 dias, publicou uma portaria que reconhece o trabalho voluntário nas escolas estaduais.

A carga horária semanal estipulada é de 2h a 20h e o diploma superior é obrigatório. Não há retorno financeiro e o voluntário não tem vínculo empregatício com o Estado. A portaria ganhou ares de campanha: o site da secretaria de Educação já conta com o banner "Voluntariado na Educação - saiba mais aqui".

Segundo o órgão, o objetivo não é substituir os professores, mas sim "suprir necessidades pontuais" com um "grande banco de voluntários". Já o sindicato dos educadores enxerga na medida uma tentativa de esvaziar a greve.

À Folha o secretário estadual de Educação, Ronald Krummenauer, diz que a portaria não tem a ver com a paralisação. "Quem daria aula o ano inteiro como voluntário? Estamos falando de questões pontuais, monitoramento de corredores, auxílio à cozinha Até mesmo para professores que queiram ganhar experiência."

O secretário afirma que o Estado também tem a intenção de regulamentar outra lei na Educação. A ideia é possibilitar a contratação de professores inativos, a partir de uma remuneração por hora/aula. "Um professor que tire uma licença-saúde de 30 dias, por exemplo. Poderíamos buscar nesse grande banco de reservas e suprir esses 30 dias."

Enio Manica, diretor de Comunicação do sindicato dos professores, diz que a portaria é um "abuso" e que o Estado "tem que saber respeitar o direito de greve". "Como que não tem a ver com a greve se nunca foi necessário isso [o trabalho voluntário]? Não adianta querer mentir para a sociedade."

A GREVE

A greve teve início no dia 5 de setembro, com insatisfações relativas, principalmente, ao parcelamento dos salários que afeta todos os servidores do Estado há dois anos. A secretaria de Educação chegou a fazer uma proposta para o fim da greve, rejeitada pelos professores.

Na ocasião, o governo concordou em retomar o pagamento em dia a partir de 30 de dezembro, com algumas condições: a venda de ações do Banrisul, a adesão ao regime de recuperação fiscal e o crescimento econômico do Estado.

O governo afirma que não está mais em negociação com os docentes. Krummenauer diz que desde a metade de outubro a greve é pequena e que "muitos professores estão recebendo em dia desde o final de setembro".

Segundo a secretaria, a paralisação atinge totalmente 19 escolas e parcialmente outras 311. No total, o Estado conta com 2.545 unidades de ensino. Nesta semana, o sindicato foi notificado sobre uma ação judicial movida pelo governo requerendo a declaração da ilegalidade da greve. Em primeira análise, o desembargador Leonel Pires Ohlweiler negou liminar e não reconheceu a ilegalidade.

Relator do processo, Ohlweiler entendeu que a educação não é um serviço essencial para justificar limitações da greve ou sustentar a alegação de abusividade. Na tarde desta sexta-feira (8), os professores decidirão em nova assembleia se continuam a paralisação. Os salários continuam atrasados. A secretaria prevê a quitação da folha até o dia 13/12.

Ainda assim, o diretor de comunicação do sindicato diz que a greve está enfraquecida e que é necessário sabedoria para acabá-la na hora certa. "É preciso saber sair agora para restaurar as forças e impedir que [o governo] aprove todos os projetos que querem acabar com as políticas públicas." Ele se refere ao regime de recuperação fiscal.

A CRISE FISCAL

A paralisação se dá em um momento de forte crise fiscal do Estado. Nesta quarta-feira (6), a Assembleia Legislativa aprovou o projeto do orçamento de 2018, que estima um déficit de R$ 6,9 bilhões.

Representantes do governo estadual e federal têm se reunido para elaborar o ingresso do Rio Grande do Sul no regime de recuperação fiscal, que pressupõe ajuda da União. O Estado deve R$ 58 bilhões ao governo federal.

O regime prevê a suspensão do pagamento da dívida com a União ao longo dos próximos três anos, exigindo como contrapartida uma série de medidas para equilibrar as finanças, como privatizações e congelamento de salários. No caso do Rio Grande do Sul, o acordo significaria um respiro de R$ 11,8 bilhões, segundo a secretaria da Fazenda.

O sindicato dos professores chama a atenção para o que considera "uma sonegação absurda, que chega a R$ 7 bilhões" e "isenções fiscais que somam R$ 9 bilhões". "Mesmo com todo este montante de recursos saindo dos cofres do Estado, o governo não coloca em prática nenhuma política de combate real a essas situações."


Endereço da página: