Folha de S. Paulo


Cantor João Bosco critica uso de sua música para batizar operação da PF

O cantor e compositor João Bosco criticou nesta quinta-feira (7) a utilização de sua música "O Bêbado e a Equilibrista", em parceria com Aldir Blanc, para batizar a operação Esperança Equilibrista, da PF (Polícia Federal).

Servidores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), inclusive o reitor, foram conduzidos coercitivamente para prestar depoimento sobre a suspeita de desvios públicos numa obra, numa operação criticada por ex-reitores, estudantes e sindicatos.

Em uma rede social, o cantor postou uma nota de repúdio em que diz que a situação toda –condução coercitiva entre elas– já seria motivo para sua indignação, ampliada com a "homenagem" ao usar sua composição. "A operação da PF me toca de modo mais direto, pois foi batizada de 'Esperança Equilibrista', em alusão à canção que Aldir Blanc e eu fizemos em honra a todos os que lutaram contra a ditadura brasileira", disse.

Segundo ele, a canção "foi e permanece sendo, na memória coletiva do país, um hino à liberdade e à luta pela retomada do processo democrático".

"Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção por quem trai seu desejo fundamental." A operação, que investiga o suposto desvio de recursos públicos na construção de uma obra executada pela UFMG, fez com que o reitor da universidade, Jaime Arturo Ramirez, e a vice-reitora, Sandra Regina Goulart Almeida, fossem conduzidos coercitivamente para prestar depoimento em Belo Horizonte.

Além deles, o presidente da Fundep (Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa), Alfredo Gontijo de Oliveira, as ex-vice-reitoras Rocksane de Carvalho Norton e Heloisa Gurgel Starling e outras servidoras também foram alvo de condução. Eles saíram da PF sem dar entrevistas.

O alvo da operação foi a construção e implantação do Memorial da Anistia Política do Brasil, obra financiada pelo Ministério da Justiça e executada pela universidade.

Foram gastos, de acordo com a polícia, mais de R$ 19 milhões e, do total repassado à UFMG, cerca de R$ 4 milhões teriam sido desviados por meio de fraudes em pagamentos feitos pela Fundep. A fundação foi contratada para pesquisas de conteúdo e produção de material para a exposição.

A PF informou que o nome da operação faz referência a um trecho da música, "considerada o 'hino dos anistiados'". "Há indícios que me levam a ver nessas medidas violentas um ato de ataque à universidade pública [...] Fica aqui portanto também a minha defesa veemente da universidade pública, espaço fundamental para a promoção de igualdades na sociedade brasileira. É essa a esperança equilibrista que tem que continuar", concluiu o compositor.

De acordo com a PF, as conduções coercitivas são mais baratas para o Estado que as prisões temporárias e são um instrumento legal de investigação, cujos fundamentos são os mesmos necessários para se requerer à Justiça a prisão temporária.

"Por se tratar de medida menos onerosa para o Estado, que não teria de suportar os custos de se manter alguém sob custódia, menos gravosa para o investigado e que produziria os mesmos resultados para as investigações, opta-se pelo pedido de condução coercitiva em vez de prisão temporária", informou a PF em nota.

Uarlen Valerio
Cidades - Belo Horizonte - Minas Gerais Operacao da Policia Federal Policiais Federal recolhem materiais no predio da FUNDEP na UFMG Foto: Uarlen Valerio / 06/12/2017 ***PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS***
Operação da Polícia Federal no prédio da Fundep, na UFMG

PROTESTOS

A ação gerou reação imediata e protestos em frente à superintendência da PF na capital mineira e na universidade nesta quarta-feira (6). Comunicado assinado por 8 ex-reitores e 3 ex-vice-reitores repudiou o uso da condução coercitiva e qualificou os atos de "totalmente ofensivos, gratuitos e desnecessários".

Além dos ex-reitores, a Apubh (sindicato de docentes de federais), o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFMG a fundação Maurício Grabois Minas e a ex-presidente Dilma Rousseff criticaram a operação.

A professora da USP Lilia Moritz Schwarcz, coautora de um livro com Heloisa Starling, disse que "levar coercitivamente uma pessoa que nunca se recusa ou se recusou a ajudar e colaborar é um atentado aos nossos direitos civis".


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