Folha de S. Paulo


PF conduz reitor e vice da UFMG para depor sobre suposta fraude em obras

Foca Lisboa/Divulgação
Fachada da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
Fachada da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

A PF (Polícia Federal) deflagrou nesta quarta-feira (6) a operação Esperança Equilibrista, que investiga o suposto desvio de recursos públicos na construção de uma obra executada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Reitor e vice da instituição foram levados para prestar depoimento em Belo Horizonte.

De acordo com a PF, o alvo foi a construção e implantação do Memorial da Anistia Política do Brasil, obra financiada pelo Ministério da Justiça e executada pela universidade.

Além do reitor, Jaime Arturo Ramirez, e a vice-reitora, Sandra Regina Goulart Almeida, também foram alvos de condução coercitiva o presidente da Fundep (Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa), Alfredo Gontijo de Oliveira, e as ex-vice-reitoras Rocksane de Carvalho Norton e Heloisa Gurgel Starling, além de servidoras. Eles saíram sem dar entrevistas.

Todos foram defendidos por entidades acadêmicas e sindicatos, que criticaram a ação da PF, realizaram atos e a compararam à operação realizada em Santa Catarina -o ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo se matou após ter sido detido com outras seis pessoas numa ação da PF sob a suspeita de desvio de recursos.

Foram gastos, de acordo com a polícia, mais de R$ 19 milhões e, do total repassado à UFMG, cerca de R$ 4 milhões teriam sido desviados por meio de fraudes em pagamentos feitos pela Fundep. A fundação foi contratada para pesquisas de conteúdo e produção de material para a exposição.

Idealizado há nove anos, o projeto do memorial tem como objetivo preservar e difundir a memória política dos períodos de repressão, a partir da reforma do chamado Coleginho, onde seria instalada exposição com obras e materiais históricos. O local teria ainda dois prédios anexos e uma praça de convivência.

Só que, até agora, segundo a PF, apenas os anexos estão "aparentes", ainda inacabados. Conforme a PF, os desvios teriam ocorrido por meio de pagamentos a fornecedores sem elo com o projeto e de bolsas de estágio e extensão.

A operação, desencadeada com apoio da CGU (Controladoria-Geral da União) e do TCU (Tribunal de Contas da União), recebeu o nome de Esperança Equilibrista em alusão à música "O Bêbado e a Equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc.

articiparam da ação 84 policiais federais, 15 auditores da CGU e dois do TCU. Foram cumpridos oito mandados judiciais de condução coercitiva e 11 de busca e apreensão.

A UFMG informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não pode se manifestar sobre os fatos que motivam a investigação por ela tramitar em sigilo.

"Entretanto, dada a transparência com que lida com as questões de natureza institucional, a UFMG torna público que contribuirá, como é sua tradição, para a correta, rápida e efetiva apuração do caso específico", diz trecho da nota da universidade.

Divulgação
O reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramirez, foi alvo de condução coercitiva para prestar depoimento
O reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramirez, foi alvo de condução coercitiva para prestar depoimento

PROTESTOS

A ação da PF foi questionada por ex-reitores da UFMG, entidades acadêmicas e sindicatos. Professores e servidores fizeram protesto em frente à superintendência da PF, de manhã, e no campus, na tarde desta quarta.

Nos atos, gritos como "Jogaram a trajetória dessas pessoas na lama" e "Não queremos que Minas Gerais seja uma segunda Santa Catarina" foram constantes.

"Repudiamos inteiramente o uso da condução coercitiva e mais ainda a brutalidade e o desrespeito com que foram tratados o reitor e a vice-reitora, as ex-vice-reitoras e outros dirigentes e servidores da UFMG, em atos totalmente ofensivos, gratuitos e desnecessários", diz comunicado assinado por 8 ex-reitores e 3 ex-vice-reitores da universidade.

Já a Apubh (sindicato de docentes de federais) relacionou o caso ao ocorrido na UFSC. "A repetição de uma condução coercitiva de reitor e corpo diretivo de uma universidade, similar ao ocorrido recentemente em Santa Catarina com consequências trágicas, nos preocupa sobremaneira", diz nota.

Coordenador-geral do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFMG, Alexandre Lopes Boaventura Cunha, aluno do curso de engenharia de sistemas, disse que o ato foi "muito agressivo".

"[Como foi] É um ataque pesado à pessoa e mostra que talvez a PF não tenha entendido o que acarretou a ação deles na UFSC. Ficamos muito tristes com a abordagem", disse.

A fundação Maurício Grabois Minas, também em comunicado, mostrou indignação com a ação da PF, que "desrespeita as garantias constitucionais e o devido processo legal". "A ação aparenta ter motivações políticas por realizar a condução coercitiva desnecessária e por provocar a espetacularização da operação como mecanismo extralegal."

A Folha questionou a PF sobre o que pesava contra as pessoas que foram conduzidas coercitivamente e qual a base para elas, mas não houve resposta até a publicação da reportagem.

A ex-presidente Dilma Rousseff se disse indignada com a operação. "Extrapola-se o limite do bom-senso e monta-se uma operação policial que joga para a plateia."

A professora da USP Lilia Moritz Schwarcz, coautora de um livro com Heloisa Starling, criticou a ação da Polícia Federal. "Levar coercitivamente uma pessoa que nunca se recusa ou se recusou a ajudar e colaborar é um atentado aos nossos direitos civis."

"Expor a processos de humilhação e criar um circo policial, sem que se tenham provas circunstanciadas, é um atentado à nossa democracia. Fazer do suspeito um culpado pressuposto é um ato de lesa cidadania", afirma.

"Assistimos a isso tudo no dia de hoje. Antes vimos o que ocorreu com o reitor de Santa Catarina. Hoje foi a vez dos professores da UFMG. Não há coincidência alguma no fato dessa ação ter ocorrido um dia depois da inauguração do memorial da anistia. Não há acaso no ataque à universidade e à academia."

"Mas a pior provocação está no nome da operação. Esperança Equilibrista é parte de uma música que representava a boa utopia de tempos melhores, sem ditadura militar. Nesse caso, vigora a mais profunda e perversa distopia. Vivemos mesmo um estado policial."


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