Folha de S. Paulo


Jovens apelam à Justiça para cursar a faculdade antes de terminar o colégio

Raquel Cunha/Folhapress
O estudante de design Carlos Eduardo Bocai, na PUC-Rio
O estudante de design Carlos Eduardo Bocai, na PUC-Rio

Enquanto cursava o último ano do ensino médio, a estudante de engenharia elétrica Bianca Torquato, 22, decidiu prestar o vestibular de inverno da Unesp de Ilha Solteira (SP). A proposta era apenas treinar para os exames que viriam pela frente, mas foi aprovada.

"Conversei com meus pais e decidimos procurar um advogado para ajudar no processo de matrícula", lembra.

Um juiz concedeu uma liminar para que Torquato pudesse se matricular sem ter terminado o ensino médio. Mas havia uma condição: tinha de concluir o colégio para continuar na faculdade. A solução foi conciliar os dois.
"Foi pesado, mas o colégio era flexível quanto aos horários", conta ela, que acabou se transferindo alguns meses depois para a Unesp de Guaratinguetá (SP).

"O maior desafio foi lidar com a matéria nova e com a distância da minha família, que mora em Minas. Hoje, me sinto satisfeita com a decisão que tomei", afirma.

Casos de alunos "apressadinhos" não são incomuns no país. O processo para conseguir ingressar na faculdade é geralmente o mesmo: a família procura um advogado, que consegue uma liminar para que o estudante realize a matrícula mesmo sem ter um certificado de conclusão -o documento é exigido por regra da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Para conceder uma liminar, os juízes costumam analisar alguns laudos e documentos, pedagógicos e psicológicos, que comprovem a capacidade do aluno de cursar o ensino superior, como explica Renato Cury, especialista em direito do consumidor da Associação dos Advogados de São Paulo.

Mas é preciso tomar cuidado: a medida é só o começo de um processo que ainda será analisado e julgado, e pode ser cassada a qualquer momento, observa Cury.

Um risco que o estudante de ciência da computação Leonardo Ribeiro, 21, decidiu correr e, por pouco, não interrompeu seus estudos.

Aprovado com 17 anos para a USP de São Carlos, conseguiu uma liminar para entrar na instituição com base no seu histórico escolar e desempenho no vestibular.

Após um ano e meio de faculdade, contudo, recebeu a notícia de que a ordem judicial havia sido cassada. "Entramos com um recurso comprovando meu bom desempenho no curso e conseguimos ganhar o processo. Foi emocionante", lembra ele, natural de Bebedouro (SP).

PREPARO

Para além dos riscos jurídicos, especialistas defendem que pular um ano de colégio para entrar na universidade pode prejudicar o aprendizado dos jovens.

"Não quer dizer que o estudante não esteja cognitivamente preparado, mas talvez não tenha vivido experiências culturais suficientes", afirma Marcos Neira, da Faculdade de Educação da USP.

Victor Henrique Grampa, presidente da Comissão de Direito Educacional e Políticas Públicas da OAB-SP, pondera que o ensino médio é "uma fase de formação para o exercício da cidadania."

O estudante de design Carlos Eduardo Bocai, 21, tinha pressa em sair da escola quando foi aprovado no vestibular do curso de design da PUC-Rio, aos 16. "Eu sempre tive certeza do que queria fazer da vida, e nunca fui um aluno muito bom no colégio. Foi bom mudar de ambiente e abrir a cabeça."

Bocai conseguiu uma liminar e, após ser emancipado pelos pais, iniciou os estudos. "Senti um pouco de insegurança, mas tive mais liberdade para cursar a faculdade no meu tempo. Pude, por exemplo, fazer um intercâmbio na metade do curso", lembra.

Paulo Fraga, coordenador do curso de pedagogia do Mackenzie, afirma que o diálogo familiar é fundamental na hora da decisão.

"Os pais precisam conhecer bem seus filhos para saber se eles darão conta da vida acadêmica antes da hora, e também não devem obrigá-los a fazer essa escolha", diz.

Keiny Andrade/Folhapress
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