Folha de S. Paulo


Austrália, Canadá e EUA inspiraram base curricular do Brasil

Raquel Cunha - 31.mar.2016/Folhapress
Alunos em escola estadual na região da Barra Funda zona oeste de São Paulo
Alunos em escola estadual na região da Barra Funda zona oeste de São Paulo

Uma das referências para a elaboração da base nacional curricular divulgada nesta semana pelo MEC (Ministério da Educação), os Estados Unidos derraparam ao implementar nacionalmente a proposta nas escolas.

O chamado "núcleo comum" daquele país lançado em 2010 foi negado por estados como o Texas, o maior dos EUA depois do Alasca.

O documento que dá referências do que deve ser ensinado nas escolas norte-americanas levou mais ou menos três anos para ficar pronto.

Um tempo semelhante ao da elaboração da base curricular do Brasil: aqui, a discussão começou em 2014. A primeira versão da base foi lançada em setembro de 2015.

Agora, o documento de 396 páginas que dá referências do que deve ser ensinado na educação infantil e fundamental do país foi entregue na quinta (6) pelo MEC para apreciação do CNE (Conselho Nacional de Educação).

Se aprovado neste ano, deve começar a valer em 2019.

Outras inspirações internacionais para a elaboração do documento brasileiro, no entanto, levaram bem mais tempo até as salas de aula.

Na Austrália, por exemplo, a base curricular lançada em 2009 chegou a ser discutida por cerca de 20 anos. No meio do caminho, houve debate entre os Estados e treinamento de professores -o que, no Brasil, ficará para a etapa da implementação.

ENSINO PELO MUNDO - Como são as bases curriculares de países que antecederam o debate no Brasil

Juntos, EUA, Austrália e Canadá são as principais inspirações para o documento curricular brasileiro.

De acordo com o secretário de educação básica do MEC, Rossieli Soares da Silva, o governo brasileiro olhou também as bases da França, Chile, Portugal e Reino Unido "entre outros países".

O tempo de preparo e de implementação da base curricular varia. Está relacionado com o que cada país considera importante no debate.

"Não existe um tempo médio ideal. Depende do cenário local", diz David Plank, brasilianista e especialista de política de educação da Universidade Stanford (EUA).

"Em muitos países asiáticos, o debate entre especialistas é o único que importa. Então a adoção de novas normas move-se rapidamente."

A Coreia do Sul é um desses países. Conta com uma base nacional curricular desde 1954. Hoje, o país já está no sétimo currículo nacional, lançado em 2009 (algo comum entre os países que já têm base: o currículo muda com o tempo).

MILHÕES DE IDEIAS

No Brasil, o processo de construção de um documento de referência curricular tem incluído uma série de consultas públicas -até pela internet, de onde vieram, diz o MEC, mais 12 milhões de sugestões após a divulgação da primeira versão da base.

Esse modelo que mistura governo, acadêmicos, professores e pais ainda continua.

A expectativa do CNE, de acordo com o presidente do conselho, Eduardo Deschamps, é fazer mais cinco audiências públicas.

Isso significa, na prática, que o texto pode mudar.

A base curricular entregue ao CNE dá referências do que deve ser ensinado em quatro áreas: matemática, ciências da natureza, ciências humanas e linguagens.

É um modelo diferente dos EUA. Lá, o currículo ficou restrito ao ensino de linguagens e de matemática. Passou a bola para que os sistemas de ensino decidam sobre áreas do conhecimento mais polêmicas e sensíveis, como história.

A Educação básica é formada pelos ensinos: - (em milhões de alunos*)

...E PELAS REDES: - (em % de alunos)

Já no Canadá, há indicações do que deve ser ensinado por ano letivo em 11 áreas do conhecimento como inglês e estudos sociais.

No 2º ano, em educação para carreira, espera-se que os estudantes consigam "compartilhar ideias, informação, sentimentos e conhecimento com os colegas".

Em saúde, no 9º ano, a expectativa é que os alunos "analisem estratégias para reagir à discriminação, estereótipos e bullying".

Também no Canadá, tecnologia e programação aparecem como conteúdo obrigatório -algo que ficou de fora do documento brasileiro.

"Vai completamente contra o que o mundo está fazendo", diz Paulo Blikstein, considerado um dos maiores especialistas do mundo em tecnologia e educação. "Como esperamos ter mais cientistas e engenheiros no futuro?"

MILHÕES DE DOCENTES

Passando pelo CNE, a expectativa do MEC é começar o treinamento de professores em 2018. A implementação teria início no ano seguinte.

"O governo esquece que temos cerca de 2 milhões de professores [na educação básica do país]. Como vamos treiná-los em um ano?", diz João Palma Filho, especialista da Unesp em políticas curriculares para educação.

Palma Filho destaca ainda a falta de infraestrutura nas escolas como um risco de que a implementação derrape.

Há pouco risco de que os Estados resistam ou rejeitem a base nacional, diz Plank, de Stanford, "O federalismo dos EUA é muito diferente."

A base vai definir até 60% dos currículos. O restante fica a cargo dos sistemas de ensino municipais e estaduais e das escolas privadas.


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