Folha de S. Paulo


Venda da Escola da Vila para grupo empresarial deixa pais apreensivos

Com uma educação humanista e um projeto considerado "alternativo" desde a fundação, em 1980, a Escola da Vila, de São Paulo, virou alvo de um fato relevante (informe de empresas de capital aberto) em fevereiro deste ano, com referências ao "investimento" no colégio, "metas de transição" e outros termos do mercado financeiro.

Desde então, um clima de apreensão domina as conversas da comunidade escolar –que teme mudanças da linha pedagógica com a venda do colégio ao Bahema, grupo empresarial que se associou a uma escola no Rio e negocia outra em Belo Horizonte.

Keiny Andrade/Folhapress
Movimentação de pais e funcionários na entrada da Escola da Vila, na zona oeste de São Paulo
Movimentação de pais e funcionários na entrada da Escola da Vila, na zona oeste de São Paulo

Hoje com 1.556 alunos em três unidades, e mensalidades de R$ 3.177 no ensino médio, a Escola da Vila surgiu na Vila Madalena, daí o nome. Mais tarde, a sede foi transferida para o Butantã, também na zona oeste. As outras unidades ficam no Morumbi e na Granja Viana.

Segundo Silvia Casa Nova, 49, professora da USP e mãe de uma aluna do 4º ano, o anúncio foi uma surpresa. A notícia chegou para os pais e professores pela imprensa.

"A maior de nossas apreensões é a reconstituição da relação de confiança na comunidade da Escola da Vila que garanta a defesa e conservação do patrimônio pedagógico cultural da escola, expresso em seu projeto político pedagógico", diz nota preparada para a Folha por um grupo de quatro famílias do qual Nova faz parte.

Segundo o grupo –que inclui Beatriz Gil, Cristina Toledano e o casal Daniel Biral e Gabriela Zemel–, há receio de que essas metas impactem no atendimento da escola. Eles temem o aumento no número de alunos por turma sem expansão do corpo docente, cortes de atividades extras e alta de preços.

"Ninguém mais do corpo pedagógico pode nos trazer a segurança que tínhamos antes, porque basicamente a escola tem outro dono e ele dialoga com a comunidade por meio das leis do mercado e não pela construção coletiva com a comunidade escolar", diz o texto dos pais. Uma carta aberta de funcionários expõe preocupações com uma possível precarização das relações de trabalho.

O Grupo Bahema passou a controlar 80% da Escola da Vila, em uma operação de R$ 34 milhões. A negociação ainda envolveu a compra, por R$ 7,7 milhões, de 5% da Escola Parque, do Rio, outra instituição reconhecida por seu projeto inovador. Esse movimento marca a criação de um braço educacional no Bahema, focado por enquanto na educação básica.

Frederico Marques Affonso Ferreira, diretor presidente do grupo, afirma que não há planos de mudanças. "A gente escolheu essas escolas por terem o mesmo perfil. Não há pretensão de mudar algo porque nos associamos a elas exatamente por causa dos projetos pedagógicos."

Segundo Ferreira, as escolas são lucrativas, mas podem ser ainda mais, mantendo o "DNA" das instituições. "A garantia disso é a continuidade da direção pedagógica." A diretora e sócia da escola, Sônia Barreira, diz que a associação ao grupo ocorre para melhorar o enfrentamento à concorrência, acirrada nos últimos anos. O plano, por enquanto, é preencher 800 vagas ociosas (a maioria na unidade mais nova, na Granja Viana).

"A empresa poderia comprar outras escolas, mas essa sociedade é uma validação do que a escola é. E a escola não é nada mais que seu projeto. Nossa preocupação é garantir a perenidade dele", diz ela, na escola há 37 anos.

Outro fator de apreensão de pais foi a participação do diretor de Relação com Investidores do grupo, Guilherme Affonso Ferreira Filho, na organização de um debate em 2016 com ideias diferentes das pregadas pela Escola da Vila.

No evento, foram defendidas medidas como a extinção de disciplinas de humanidades, além de ataques ao educador Paulo Freire. O cientista político João Feres Júnior, da UERJ, cujo filho estuda na Escola Parque, do Rio, tem a mesma preocupação: "O Guilherme [do Bahema] tem um posicionamento público liberal, de direita, que é contrário aos valores da escola. Isso me preocupa".

De acordo com Frederico Ferreira, nada do que foi dito no encontro (que fez parte do Fórum Liberdade e Democracia, realizado em São Paulo) representa a opinião do Bahema. "Também não é a opinião pessoal do Guilherme, somos inclusive contra o projeto Escola Sem Partido."

A direção da escola ainda conversa com os pais sobre a transação. O Bahema também anunciou que está em negociações avançadas para a compra da escola Balão Vermelho, em Belo Horizonte.


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