Folha de S. Paulo


Análise

Base de matemática repete o que já existe em livro didático

Danilo Verpa - 19.fev.2009/Folhapress
ORG XMIT: 425001_1.tif SÃO PAULO, SP, BRASIL, 19-03-2009: Educação: alunos da Escola Estadual Professora Blanca Zwicker Simões durante aula. A escola foi uma das mais bem avaliadas em pesquisa do governo estadual. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, COTIDIANO)
Alunos da escola estadual professora Blanca Zwicker Simões, em São Paulo

Você sabia que calcular 5% de um número equivale a dividi-lo por 20? E que dividir por 20 nada mais é do que primeiro dividir por dez e depois por dois? Pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular) de matemática, espera-se que cálculos mentais e com calculadora de porcentagens sejam trabalhados a partir da segunda parte do sexto ano.

A ideia BNCC é orientar a formação dos currículos da educação básica, ou seja, o que e quando as crianças aprendem em cada disciplina.

Uma característica da matemática é o rigor interno. Há pouca margem para uma nova interpretação daquilo que já foi descoberto –um triângulo equilátero, mesmo reanalisado, sempre terá os ângulos internos medindo 60º.

Se houvesse alguma grande transformação, seria na forma de transmitir o conteúdo, na seleção dos tópicos e no fomento à interação com outras disciplinas como física, biologia e geografia.

Mesmo nesse aspecto, há pouca inovação. A proposta da BNCC para matemática não mudou a forma na qual a disciplina é "vendida" –assemelha-se ao que já aparece há tempos nos livros didáticos.

Por exemplo, no terceiro ano do ensino fundamental, o aluno deve "reconhecer e nomear figuras geométricas espaciais (cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera), relacionando-as com objetos do mundo físico (prédio, maquete, sólidos manipuláveis, entre outros) e associando prismas e pirâmides a suas planificações". Nada diferente do que acontece há décadas.

A melhora do ensino de matemática é um dos maiores desafios da educação no Brasil, haja vista a queda de rendimento do ensino médio no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O valor fixado como adequado é 350 pontos, e a pontuação no ano de 2015 foi de 267, a pior desde 2005.

O motivo para isso, alertam especialistas, podem ser principalmente dois: professores despreparados ou currículo desinteressante. Questiona-se se não é necessário aprofundar no conteúdo de cursos de licenciatura ou revogar a necessidade desse tipo de formação como requisito obrigatório para a docência.

Com relação à antiga tônica de "aplicar a matemática no cotidiano" (vigente há décadas), constata-se que a tentativa, na melhor hipótese, não deu tão certo como deveria. A rigor, o letramento matemático independe da associação a problemas "do mundo real". Figuras geométricas e equações do segundo grau podem apenas existir como entidades matemáticas no caderno do aluno.

Base Nacional Curricular

Um empurrão honesto e produtivo para aumentar o engajamento pode ser desvendar a matemática como resultado de dedicação e esforço humanos e reconstruir a trajetória percorrida desde Babilônia e Grécia rumo à descrição matemática do universo, por exemplo.

Marcelo Viana, diretor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, disse em entrevista à Folha que a razão para o desinteresse e a repulsa à matemática são professores ruins, que apresentam a disciplina de uma forma não criativa e repetitiva.

Um dos aspectos da BNCC que tenta corrigir a questão é a ladainha de que o aluno deve não só resolver problemas mas também ser capaz de formulá-los. Quem sabe os alunos criem questões mais interessantes que aquelas do livro-texto? Fica a dúvida: será que os professores conseguirão respondê-las?

OTIMISMO

Se há despreparo ou má vontade docente, crianças e adolescentes farejam-na de longe, prejudicando o aprendizado. O problema da educação matemática no país provavelmente passa longe do que está na BNCC e senta ao lado dos futuros professores nos bancos universitários.

O atual ambiente não permite muito otimismo. Mas é justamente otimismo, e em demasia, que parece existir ao ler na BNCC o que se espera dos alunos na área de estatística e probabilidade. Um aluno do quarto ano deve coletar dados (nome, time do coração e valor da mesada, por exemplo), organizá-los, e representá-los na forma de listas ou gráficos, com o auxílio de "tecnologias digitais".

No sétimo ano deve ser feita uma análise crítica da necessidade de se coletar dados para investigar temas da "realidade social". A comunicação dos resultados deve ser feita por relatórios, com o suporte de planilhas eletrônicas.

É curioso o fato de que essas competências, mesmo as básicas, passam longe da formação universitária padrão no país. É vantajoso que o estudante tenha chance de aprender desde cedo sobre estatística. Mas, como acontece com outras sugestões demasiadamente detalhadas, a realidade pode impor à teoria uma dura derrota.

Pelo menos os estudantes se livraram, por ora, de números imaginários, que, nessa altura da vida, só valem mesmo como exercício algébrico. Outra perda é a do conteúdo de matrizes, intimamente relacionado ao que se ensina no tópico "sistemas de equações", que foi preservado.

Alunos na educação básica - Por etapa, em milhões*

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Calendário

26.jun.2014 - Plano Nacional de Educação é sancionado; lei prevê que o governo crie proposta de base curricular em até dois anos

16.set.2015 - MEC apresenta a 1ª versão do documento e abre consulta pública; as áreas de história e gramática geraram polêmica

15.dez.2015 - Ministério inicia análise das contribuições recebidas na consulta pública

3.mai.2016 - MEC divulga 2ª versão da base e a envia ao Conselho Nacional de Educação e a representantes de Estados e municípios

jun. a ago.2016 - Texto está sendo debatido nos Estados e deve ser devolvido ao MEC até agosto

ago a nov.2016 - Um comitê gestor vai revisar a base (ensinos infantil e fundamental) e debater o ensino médio

nov.2016 - O objetivo é ter a versão final até essa data (para infantil e fundamental), mas não há previsão de quando ela começa a valer

1ºsem.2017 - MEC deve definir a base curricular do ensino médio, após aprovação de projeto de lei no Congresso que prevê um novo formato para a etapa


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