Folha de S. Paulo


Dados do Enem e da Prova Brasil não são traduzidos em melhoria do ensino

O Brasil aprendeu a avaliar a educação, mas não sabe aproveitar os resultados para melhorar o próprio sistema de ensino. Essa é a percepção dos especialistas com base no uso que o país faz dos principais exames de larga escala: Prova Brasil e Enem.

"Pegamos os resultados para fazer um uso classificatório, seletivo e excludente", diz Cipriano Luckesi, professor da Universidade Federal da Bahia e doutor em avaliação do aprendizado. "Não sabemos ainda fazer o primordial: dar destino pedagógico ao resultado da avaliação."

A Prova Brasil testa conhecimentos dos alunos do quinto e do nono anos do ensinofundamental em língua portuguesa e matemática. As notas deles junto à taxa de aprovação compõem o Ideb, principal indicador de qualidade da educação básica.

Já o Enem, aplicado aos formandos do ensino médio, é hoje o principal meio de acesso à maioria das universidades públicas do país.

Nos dois casos, os dados coletados formam uma grande base de informações que é subutilizada por não haver a cultura dessa apropriação nem profissionais preparados para análise.

"Ninguém trabalha bem esses dados. São números que não fazem sentido no dia a dia da escola. Afirmar que o Ideb de uma rede é 3,4 é como dar uma caixa-preta fechada no colo do gestor", compara a presidente do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.

"O número só faz sentido se o diretor e o professor puderem usá-lo como forma de melhorar seus processos."

Numa tentativa de facilitar esse entendimento, o Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pelas avaliações, lançou a plataforma Devolutivas Pedagógicas. A ferramenta permite a professores e gestores saber quais são os conhecimentos já dominados pelos alunos e quais devem ser trabalhados para que atinjam aproveitamento mais alto na Prova Brasil.

"Como os itens são comentados, dá para perceber se o aluno errou uma questão de matemática por não entender o conceito ou se só fez uma conta errada. Começamos a abrir a caixa-preta", diz Cruz.

Em um ano, a plataforma teve 18.645 usuários cadastrados. É menos de 1% dos docentes da educação básica, que somam 2,1 milhões. A adesão ainda é pequena.

"Além de a plataforma ser pouco palatável, fazer com que os resultados das avaliações sejam revertidos em melhoria implica não só contar ao professor o que precisa ser ensinado de forma mais eficaz. É preciso dar condições para isso", diz Roberta Panico, que coordena a Comunidade Educativa Cedac.

Alguns conteúdos serão mais bem ensinados e aprendidos se o professor tiver um laboratório. Em outros casos, os recursos devem ser investidos em programas de formação continuada.

O Ideb baixo fez com que o município de Monção, a 250 km de São Luís (MA), criasse um sistema de avaliação a partir das competências aferidas na Prova Brasil. O exame foi aplicado em 2014 e, a partir dos resultados, foi criado um projeto de intervenção.

"Vimos as principais dificuldades dos alunos e capacitamos de forma contínua diretores e professores para que trabalhassem essas áreas", explica Lindomar Lindoso Pinheiro, supervisor pedagógico do município, que tem cerca de 150 escolas.

No fim de 2014, o exame foi reaplicado e os alunos evoluíram. "O docente se sentiu incluído e capacitado. Por isso deu certo", diz Pinheiro.

É um tipo de procedimento incomum e no caminho oposto ao usual, analisa o professor da Faculdade de Educação da USP Ocimar Alavarse. "Em vez do rumo pedagógico, o que se vê é a responsabilização de professores pela via da bonificação."

Alavarse se refere às políticas que algumas redes implantaram para premiar professores e escolas com maiores notas no Ideb e no Enem.

A estratégia correta, na opinião dele, é incluir os docentes em todo o processo. "Isso faria inclusive com que acabasse o preconceito que a categoria tem em relação a essas provas."


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