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Empregabilidade é o mais importante, diz especialista em ensino técnico

Cedefop/Divulgação
Joachim Calleja, diretor do Cedefop (Centro Europeu de Educação e Formação Profissional, na sigla em inglês)
Joachim Calleja, diretor do Cedefop (Centro Europeu de Educação e Formação Profissional, na sigla em inglês)

O diploma no ensino técnico é, por si só, melhor do que a formação generalista do ensino médio -e ainda pode garantir mais oportunidades de trabalho se complementado, de maneira inteligente, com o ensino superior.

Quem diz isso é Joachim Calleja, especialista em educação e relações internacionais pela Universidade Bradford, no Reino Unido, e diretor, desde 2013, do Cedefop (Centro Europeu de Educação e Formação Profissional, na sigla em inglês). O órgão ajuda a orientar políticas de formação profissionalizante na União Europeia. Leia abaixo.

Folha - No Brasil, os jovens podem fazer a escola tradicional ou "ensino médio integrado", em que têm disciplinas teóricas e de ensino técnico. Esse modelo é eficiente?
Joachim Calleja- Muitos países europeus têm esse modelo. Em geral, são considerados eficientes, mas sua eficiência depende de como eles se encaixam na tradição do país e de como são aceitos pelo mercado de trabalho.

Escolas profissionalizantes ou "escolas integradas" são certamente uma opção muito boa para um país grande como o Brasil, que precisa de uma ampla gama de qualificações no setor primário, na indústria e nos serviços.

Muito alunos fazem a educação profissional para estar bem preparados para a universidade, em uma espécie de ponte. Isso é um problema?
Não, não é um problema. Pelo contrário, se você combinar de maneira inteligente o ensino técnico com diploma universitário poderá aumentar suas chances de encontrar um bom trabalho. Por exemplo, se você tiver formação técnica para ser carpinteiro ou eletricista e, depois, estudar arquitetura, provavelmente você estará em uma posição mais competitiva. Mas, claro, nem todos podem se dar ao luxo de passar tantos anos na educação.

Observamos o mesmo fenômeno na Europa. Na Áustria, metade dos jovens que faz formação profissional segue para a universidade. Esse não é o objetivo, a formação técnica é uma qualificação por si só. Mas quem quiser pode seguir estudando.

Quem deve escolher fazer o ensino técnico?
Qualquer pessoa. Os jovens devem escolher uma via de formação que os leve para a profissão que pretendem exercer. Há opções de ensino técnico em uma grande variedade de setores, que vão desde profissionais de saúde até construção, de banco a comércio ou turismo. Há opções para todos os tipos de interesse e de talento. O Cedefop tem defendido há anos a formação técnica como primeira opção.

A educação técnica permite tanto preparar técnicos altamente qualificados para setores econômicos inovadores, quanto para a inclusão social dos mais vulneráveis.

Na Europa, as estatísticas mostram que as taxas de desemprego de jovens com ensino técnico são mais baixas do que dos diplomados no ensino geral: 73% dos jovens técnicos de 20 a 34 anos da União Europeia conseguem emprego de um a três anos após sua graduação. Para quem não fez ensino técnico, a taxa cai para 61%.

Como é no mundo

Existe preconceito contra a educação profissionalizante?
Isso tem a ver com a estima social para os estudos universitários. Observamos isso na Europa. As pessoas costumavam ter ansiedade para enviar seus filhos para a universidade, considerando, erradamente, a formação profissional como uma segunda escolha. Desde que a crise econômica atingiu a Europa, no entanto, isso tem mudado. Agora existe mais clareza de que os filhos estarão em melhor situação se tiverem qualificações relevantes para o mercado de trabalho, no lugar de ter uma educação teórica geral. Na Europa, a formação técnica se dá em nível secundário [ensino médio] e pós-secundário, mas também em nível terciário [em escolas semelhantes às faculdade tecnólogas do Brasil]. São programas de formação profissional em gestão da inovação, agricultura e mineração. Por exemplo, na França, você pode obter uma licenciatura ou mestrado profissional em agricultura.

No Brasil, cerca de 15% dos jovens estão no ensino superior. Isso é considerado pouco. Devemos priorizar a expansão das universidades, do ensino técnico ou de ambos?
Há alguns anos, a UE [União Europeia] definiu que 40% dos adultos de 30 a 34 anos deveriam ter ensino superior. Estamos quase lá, com 38% de graduados universitários nessa idade. Mais recentemente, porém, a UE também passou a defender que a formação técnica seja feita de maneira mais atraente. É a empregabilidade dos jovens que importa. Uma economia saudável, inovadora e diversificada precisa de um sistema de educação e de formação igualmente diversificada, que ofereça oportunidades a todos os níveis.

Qual país tem um modelo de educação técnica eficiente?
Em geral, os países do norte da Europa têm se saído melhor na crise, com taxas de desemprego de jovens mais baixas. Esse relativo sucesso se deve parcialmente aos sistemas de ensino que tendem a ser mais focados em transmitir práticas e habilidades relevantes para o mercado de trabalho. A eficiência de um modelo está profundamente enraizada no contexto socioeconômico de cada país.
Na Alemanha e na Áustria, os sistemas educacionais são muito ligados ao mercado de trabalho. Tradicionalmente, têm desempenhado um papel de destaque, envolvendo diversos atores do mercado de trabalho, tais como câmaras, alianças comerciais, associações e empresas diretamente na formação dos jovens. Esse sistema se baseia também em um amplo consenso social.


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