Folha de S. Paulo


Análise

Base curricular evita tratar arte como adorno, mas conteúdo é vago

Bruno Santos/Folhapress
São Paulo, SP, BRASIL-05-05-2016: Estudantes pré vestibular do cursinho Anglo em sala de aula. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** ESPECIAIS *** EXCLUSIVO FOLHA***
Estudante realiza exercícios de geometria; Ministério da Educação decidiu adiar a base do ensino médio

A leitura das cerca de 30 páginas dedicadas especificamente ao ensino de arte –artes visuais, dança, música e teatro– entre as mais de 650 do projeto da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), divulgado pelo governo federal no mês de maio, talvez fosse mais fácil se os interessados providenciassem cartelas e fizessem uma espécie de "bingo do academês".

Verbos substantivados ("o fazer, o fruir e a reflexão sobre o fazer e o fruir")? Estão lá. "Problematizar"? Também, tanto no infinitivo como no gerúndio, "problematizando". "Ressignificar"? Idem. "Experienciar a ludicidade"? Ora, como não?

Também não faltam passagens abstrusas redigidas numa língua que às vezes lembra o português, como no trecho "as artes visuais oportunizam os/as estudantes a experimentarem múltiplas culturas visuais".

Nova base para ensino médio
Leia algumas análises sobre o novo projeto

O que falta ao texto da BNCC é uma definição mais clara dos conteúdos a serem ensinados pelas escolas brasileiras nessas quatro disciplinas –do 1º ao 9º ano do ensino fundamental e nas três séries do ensino médio.

No que diz respeito à música, por exemplo, uma das orientações para os alunos do 1º ao 5º ano é "explorar elementos constitutivos da música em práticas diversas de composição/criação, execução e apreciação musicais, privilegiando aquelas presentes nas culturas infantis" (pág. 238 do documento).

É basicamente o mesmo que se requer dos estudantes nos anos finais dessa fase (6º ao 9º) –substituindo o verbo "explorar" por "identificar e manipular" e as culturas infantis pelas infanto-juvenis (pág. 398).

TEATRO

No teatro, a diferença de propostas dentro do ensino fundamental está mais bem definida –a BNCC pede que os estudantes dos anos iniciais exercitem "o faz de conta e a imitação", enquanto sugere aos alunos do 1º ao 5º ano "pesquisar, conhecer e apreciar o trabalho de grupos de teatro, de dramaturgos, de atores e diretores locais, regionais, nacionais e estrangeiros, do passado e do presente" (pág. 399).

Essa orientação, no entanto, é repetida ipsis litteris na parte do documento que trata do ensino médio (pág. 547), assim como outras.

O leitor que atravessar as extensas passagens que tratam dos fundamentos do componente "arte" e suas "seis dimensões de conhecimento" (criação, crítica, expressão, estesia, fruição e reflexão, igualmente repetidas nos capítulos sobre os ensinos fundamental e médio) descobrirá, ao fim, que o texto da BNCC deixa a definição das unidades curriculares do ensino de arte nas mãos das escolas.

Base Nacional Curricular

"Os objetivos foram redigidos com o intuito de permitir que os sistemas de ensino, as escolas e os professores possam colocá-los em prática a partir de seus próprios repertórios artísticos (...) e de seus contextos sociais, políticos e culturais. Assim caberá aos sistemas de ensino e às escolas a composição de Unidades Curriculares de Arte mais ajustadas aos seus projetos de formação", diz o documento (páginas 523 e 524).

ADORNO

Ou seja, em vez de definir as unidades curriculares em cada série ou bloco de séries, o documento do governo parece mais preocupado –além de tentar explicar, à moda da antiga coleção "Primeiros Passos", o que é arte e qual a sua importância para a sociedade– em garantir que sejam contratados professores com formação específica em cada uma das quatro áreas.

Ou que o ensino de arte não seja tratado como adorno ou atividade complementar ao currículo das escolas, coisa que não apenas faz sentido como é coerente com a orientação da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

A dúvida é se a BNCC –cujo objetivo, em tese, é oferecer um mínimo comum de aprendizado para todo o país– é o lugar certo para explicar o que caracteriza as "dimensões de conhecimento" e estabelecer objetivos de aprendizagem mais ou menos vagos, em vez de dizer claramente (de modo sucinto, respeitando diferenças sociais e regionais) o que os alunos deveriam estudar em cada etapa.

Já que problematizar é importante para a evolução do debate das ideias, fica aqui uma sugestão.

Alunos na educação básica - Por etapa, em milhões*

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Calendário

26.jun.2014 - Plano Nacional de Educação é sancionado; lei prevê que o governo crie proposta de base curricular em até dois anos

16.set.2015 - MEC apresenta a 1ª versão do documento e abre consulta pública; as áreas de história e gramática geraram polêmica

15.dez.2015 - Ministério inicia análise das contribuições recebidas na consulta pública

3.mai.2016 - MEC divulga 2ª versão da base e a envia ao Conselho Nacional de Educação e a representantes de Estados e municípios

jun. a ago.2016 - Texto está sendo debatido nos Estados e deve ser devolvido ao MEC até agosto

ago a nov.2016 - Um comitê gestor vai revisar a base (ensinos infantil e fundamental) e debater o ensino médio

nov.2016 - O objetivo é ter a versão final até essa data (para infantil e fundamental), mas não há previsão de quando ela começa a valer

1ºsem.2017 - MEC deve definir a base curricular do ensino médio, após aprovação de projeto de lei no Congresso que prevê um novo formato para a etapa


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