Folha de S. Paulo


Dinheiro para ensino a distância some nas principais universidades do país

A EaD (educação a distância) enfrenta problemas mesmo entre as universidades com excelência acadêmica no país.

A modalidade não tem financiamento contínuo, o que gera impacto na contratação de professores, impede a abertura de turmas e freia a expansão de novas graduações.

Esse é o retrato de 17 das 20 melhores universidades do RUF (Ranking Universitário Folha ), todas públicas, que oferecem ensino a distância. Juntas, elas somam 84 graduações virtuais.

As outras três —Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a 4ª melhor do ranking, e as PUCs de Rio de Janeiro (19ª) e Rio Grande do Sul (20ª)— não têm nenhuma graduação a distância.

As licenciaturas, voltadas para a formação de professores em áreas como física, química, matemática, biologia e pedagogia, representam 74% dos cursos a distância das instituições analisadas, com 62 cursos.

Na sequência estão os bacharelados, com 18 graduações em áreas como geografia, administração pública, engenharia de produção e sistemas da informação.

E, por último, mais quatro tecnólogos.

O número de graduações a distância só não é maior, na opinião de Nara Pimentel, coordenadora da plataforma na UnB (Universidade de Brasília), porque a modalidade virou um "puxadinho" nas universidades públicas.

"O dinheiro que financia a EaD corre por fora e não integra a matriz orçamentária das universidades. Isso significa que ter o recurso é sempre uma incógnita. Um ano tem, outro não e isso impacta o planejamento das universidades", diz.

Fernando Donasci - 16.jan.2014/Folhapress
Vista aérea da USP (Universidade de São Paulo)
Vista aérea da USP (Universidade de São Paulo)

JEITINHO

Sem verba contínua, as universidades mais bem avaliadas têm se virado para manter seus cursos remotos.

Na UFC (Universidade Federal do Ceará), 11ª melhor do país, as viagens de professores entre os 29 polos presenciais espalhados pelo Estado foram reduzidas, conta Henrique Pequeno, coordenador EaD da instituição.

"Os professores estão fazendo mais webconferências com os alunos. Se antes eles estavam no polo mensalmente, hoje aparecem por lá a cada dois meses", afirma.

A presença de docentes nos polos é importante para as avaliações e as atividades que são presenciais nos cursos a distância.

Na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a 5ª mais bem avaliada, o corte de bolsas fez com que os tutores assumissem o dobro de alunos por disciplina em seus dois cursos a distância (o bacharelado em desenvolvimento rural e a licenciatura em pedagogia). Antes, eram 25 graduandos por tutor, hoje são 50.

Já a UFBA (Universidade Federal da Bahia), a 15ª do ranking, tomou uma medida drástica. Reprimiu a expansão da graduação on-line em função da inconstância na liberação de recurso. A universidade tem, no momento, apenas uma licenciatura a distância em matemática.

"Chegamos a devolver R$ 3 milhões à Capes em 2014 que seriam usados na criação de novos cursos. Preferimos não gastar o dinheiro devido à descontinuidade do financiamento", diz a coordenadora EaD, Marcia Rangel.

A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do MEC) é a agência federal que financia o ensino público superior a distância no país por meio do sistema UAB (Universidade Aberta do Brasil), criado em 2005.

Jefferson Bernardes/Divulgação
Campus da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em Porto Alegre
Campus da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em Porto Alegre

Nem a USP (Universidade de São Paulo), a primeira colocada do RUF, escapa de percalços em sua única graduação on-line, o de licenciatura em ciências da natureza.

Criado em 2011 em um convênio com a Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), a parceria foi encerrada em 2015.

O fim do convênio prejudicou a licenciatura, diz Flávia Cippolli, aluna do 4º ano do curso no polo de Lorena (a 198 km de São Paulo).

"A gente tinha verba para pagar os professores e, a partir desse ano, não teve mais. No interior, quem está dando aula são mestrandos e doutorandos da USP", diz.

Cippoli complementa: "Sem dinheiro, o professor do polo virou um 'faz-tudo'. É secretário e dá aula."

A Folha tentou entrevistar o professor Gil da Costa Marques, atual coordenador-geral da licenciatura em ciências, e também encaminhou questionamentos sobre a estrutura do curso por e-mail.

Via assessoria de imprensa da instituição, Marques disse apenas que a graduação está passando por uma reestruturação.

A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a 3ª melhor do RUF, também tem adiado um plano ambicioso na área virtual, afirma Wagner Corradi, diretor de educação a distância da UFMG. "Planejamos criar dez mil novas vagas [entre graduação e pós] na EaD nos próximos dois anos. Mas falta recurso da Capes."

EXCELÊNCIA - Veja quais cursos a distância estão disponíveis nas melhores universidades do país

A parceria entre as universidades federais e a UAB (Universidade Aberta do Brasil) tem centrado esforços em programas para a formação de professores. Por isso, as licenciaturas sobressaem no sistema.

Até julho deste ano, a UAB diplomou 159.112 alunos (entre graduação e pós) em todas as regiões do país. Outros 132.266 estão fazendo algum curso na plataforma.

Com recursos contingenciados, a Capes só agora deu andamento a um edital que ficou parado em 2014. Ele financiará novos projetos na modalidade.

Até o momento, 84 instituições públicas foram selecionadas. A Capes ainda não divulgou quais cursos serão contemplados com o novo fomento.

UNIÃO

Para fugir do financiamento descontinuado do governo, as instituições têm se unido para absorver a gestão de seus cursos EaD.

Em Pernambuco, as universidades públicas de ensino superior pretendem criar um consórcio para gerir a educação a distância local, diz Cacilda Soares de Andrade, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a 10ª melhor do RUF.

"Vai ser uma saída. Tudo o que é UAB será absorvido pelas universidades", diz ela.

No Rio de Janeiro, essa alternativa já está em funcionamento desde a década de 2000. No Cederj (Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro), sete instituições públicas fluminenses compartilham materiais didáticos e infraestrutura na graduação on-line.

"Otimizamos os gastos e não paramos de fazer vestibular para os cursos de educação a distância em nenhum momento", diz Fátima Kzam, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a 14ª mais bem avaliada do ranking.

Em crescimento - Educação a distância cresce mais que a presencial na última década

Para Nara Pimentel, da UnB, passou da hora do governo federal repensar o modelo da graduação a distância no país.

"É uma gestão calcada na bolsa, no professor convidado e na elaboração terceirizada de conteúdo, um sistema prejudicial para a universidade, que não consegue institucionalizar a modalidade", diz ela.

Hoje, segundo levantamento do Fórum Nacional de Coordenadores do Sistema UAB, 70% dos núcleos de educação a distância das universidades públicas são terceirizados.

"Também não existem professores exclusivos para EaD. Os do presencial fazem um 'bico' nos cursos a distância", afirma Marineli Meier, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), a 8ª melhor do RUF.

O valor das bolsas para os docentes que atuam na educação superior a distância não passa de R$ 1.400.

O resultado, completa Meier, está escancarado no último censo do MEC: as instituições públicas são responsáveis por apenas 13% de cursos a distância (graduação e pós). O restante está na esfera privada.

E assim, quem está na ponta, neste caso, os alunos de graduação a distância, são os mais prejudicados. "A gente quer dar a mesma assistência, mas não tem o mesmo recurso do presencial. Infelizmente, não há igualdade entre o presencial e a EaD", afirma Henrique Pequeno, da UFC.

A Capes disse, por meio de nota, que está fazendo ajustes no modelo de financiamento para melhorar os repasses de recursos.

Informou ainda que a vinculação dos recursos aos orçamentos das universidades federais para projetos de educação a distância depende do avanço do processo de institucionalização da modalidade junto ao MEC.


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