Folha de S. Paulo


'As pessoas não farão cursos pelo celular, isso é loucura', diz pesquisador

O canadense Stephen Downes, 57, se dedicou ao ensino a distância pelos últimos 25 anos. Pesquisador do National Research Council, do Canadá, ele e sua equipe desenvolveram diversas ferramentas de apoio ao ensino a distância ao longo de duas décadas, entre comunidades virtuais, sistemas de gestão de aprendizagem e softwares de distribuição de conteúdos.

Ele defende o uso de recursos educacionais abertos e de configurações de aprendizagem cada vez mais personalizadas, com acompanhamento das necessidades de cada aluno. Ele compartilha análises e tendências do e-learning através da newsletter diária OLDaily, recebida por centenas de seguidores ao redor do mundo .

Para Downes, não há diferença de qualidade entre o modelo presencial e a distância. "Embora muita gente pense que é melhor ouvir instruções de alguém falando em frente a elas, isso não é melhor que uma instrução recebida através de um vídeo, de uma conferência on-line ou de qualquer outra tecnologia de ensino."

Arquivo Pessoal
Stephen Downes, 57, pesquisador do National Research Council, do Canadá
Stephen Downes, 57, pesquisador do National Research Council, do Canadá

Ele e o pesquisador George Siemens são proponentes de uma teoria de aprendizagem moderna, o conectivismo, segundo a qual o aprendizado é fruto de executar atividades e de participar ativamente de comunidades virtuais. "Colocar as pessoas em salas de aula e ter um professor dizendo-lhes coisas não é uma forma eficaz de aprendizagem", afirma.

Segundo o pesquisador, o uso do smartphone na educação, tendência entre os cursos do segmento, deve ser encarado como uma tecnologia de apoio. "As pessoas não vão fazer cursos lendo os conteúdos em seus celulares, isso é loucura. Por razões de todo tipo, como tamanho da tela, vida útil da bateria ou taxas de dados, o que torna impraticável para uma pessoa mesmo no Canadá e muito mais num lugar onde dados e telefones custam muito mais".

Em 2008, com George Siemens, então professor da Universidade de Manitoba, os dois criaram um curso para difundir o conectivismo para alunos presenciais e abriram as aulas na internet. Com cerca de 2.000 inscritos, a iniciativa foi tida por especialistas como o primeiro Mooc (sigla para curso on-line aberto e em massa). A modalidade se tornou popular com o surgimento da plataforma Coursera, em 2012, que reúne graduações de universidades renomadas.

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Leia abaixo algumas das opiniões de Downes sobre o e-learning.

NOVIDADES
Começamos a ver, no mundo dos negócios, programas mais baseados em competências para executar tarefas ou para objetivos profissionais específicos. Relacionado a isso, há mais personalização e sistemas de aprendizagem adaptativa, com foco nas necessidades e nos interesses do aluno. A aprendizagem on-line aberta é novidade, os Moocs. Começaram em 2008, tornaram-se populares em 2012 e têm tomado cada vez mais tempo e recurso das universidades e faculdades. Hoje se discute, inclusive, a sua implementação em níveis educacionais mais baixos. Recursos educacionais abertos são um conceito que tem rondado os últimos 14 anos, mas ganharam valor especialmente de um ou dois anos para cá. Nos Estados Unidos, por exemplo, várias faculdades declararam que deixarão de utilizar livros didáticos registrados e usarão livros abertos.

FUTURO
Algo para se observar é a distribuição da aprendizagem em configurações mais práticas, aplicativos informais para ensinar a usar uma ferramenta, um equipamento ou um software. Isso seria mais útil, por exemplo, no apoio aos escritórios. Outra coisa é uma relação entre os recursos de aprendizagem, informações sobre as suas habilidades e avaliações e as oportunidades de recolocação profissional. Todos os seus dados de aprendizagem estarão on-line. É possível que a sua atividade alimente sites de recrutamento de emprego, e, a longo prazo, em vez de tirar notas ou certificados, você terá ofertas de emprego ou de contrato.

NOVAS TECNOLOGIAS
O que tem atraído interesse recentemente é o "blockchain", uma tecnologia de criptografia usada nas moedas digitais, como o "bitcoin". Essa tecnologia pode ser usada para codificar certificados, registros. Então o "blockchain" pode ser usado como um mecanismo para verificar as credenciais de uma pessoa, para tornar difícil ou impossível falsificar o seu grau ou o seu programa.

USO DO MOBILE
O uso do celular em todo o mundo estabilizou em cerca de 3 bilhões de pessoas, as estatísticas mostram uma desaceleração na distribuição de aparelhos.

Para esses 3 bilhões de pessoas, tecnologias móveis estão oferecendo oportunidades de aprendizagem potenciais. Mas precisamos ter em mente que as pessoas não vão fazer cursos lendo os conteúdos em seus celulares. Isso é loucura. Por razões de todo tipo, como tamanho da tela, vida útil da bateria, taxas de dados, o que torna impraticável para uma pessoa mesmo no Canadá e muito mais num lugar onde dados e telefones custam muito mais.

O que encontramos na aprendizagem móvel é uma tecnologia de apoio. Em segundo lugar, o computador móvel será usado para conectar a aprendizagem a sistemas externos. Um exemplo simples: as pessoas usam QR Code, que lhe dão uma referência sobre determinada informação baseada em outro plano. Algo aparece primeiro em seu telefone móvel, mas se você quer estudar detalhadamente, terá de voltar para o computador principal. Então, com o passar do tempo, vamos usar o QR Code e NFC (tecnologia para transmissão de dados entre aparelhos próximos) para fornecer os recursos básicos nos telefones e esses recursos serão complementados.

CONECTIVISMO
Conhecimento são as ligações que fazemos entre os neurônios. E isso é tudo. Se sabemos que Paris é a capital da França, não temos uma frase em nosso cérebro, uma pequena imagem de Paris ou alguém sussurrando "Paris é a capital... ', apenas neurônios e conexões entre eles.

Qualquer sistema complexo que estabeleça um conjunto de conexões entre entidades pode ter conhecimento. Pessoas têm conhecimento, redes sociais têm conhecimento, centrais elétricas têm conhecimento. Se você olhar para um sistema de estradas de um país, é um tipo de conhecimento. A aprendizagem é o cruzamento, a formação e o fortalecimento das conexões. E as ligações entre os neurônios se formam como resultado da prática ou exercício, basicamente trabalhando e se comunicando com outras pessoas no que eu chamo de um domínio autêntico da questão. Portanto, a ideia do conectivismo é que você trabalha dentro de uma rede social.

Um monte de gente responde, quando perguntadas sobre o que é a aprendizagem, que alguém lhes diz alguma coisa e em seguida elas aprendem. Na melhor das hipóteses, com sorte, elas vão se lembrar. Fazer alguém repetir a mesma coisa várias vezes é memorização, o que não é útil de forma mais abrangente. Se uma pessoa participa de uma rede social, resolve problemas, cria coisas, faz atividades, fala com outras pessoas, ela adquire o amplo alcance do conhecimento nessa comunidade. Não domina apenas uma lista de fatos, mas desenvolve habilidades, aprende como fazer algo, o significado das palavras, como usá-las, o que conta como problema, o que conta como evidência.

Tornar-se um físico, por exemplo, não é lembrar um monte de fatos sobre física. É transformar a si mesmo através dos exercícios e praticar física –você literalmente se torna um físico. É isso que o conectivismo diz. Colocar as pessoas em salas de aula e ter um professor dizendo-lhes coisas não é uma forma eficaz de aprendizagem. Pesquisas concordam com isso.

ENSINO TRADICIONAL X A DISTÂNCIA
Há diversos estudos reunidos num livro chamado "No Significant Difference Phenomenon", no qual se conclui que para tipos equivalentes de instrução, não há diferença criada pela tecnologia ou pelos meios empregados. Embora as pessoas pensem ser melhor ouvir instruções de uma pessoa falando na frente delas, verifica-se que isso não é melhor que uma instrução recebida através de um vídeo, de uma conferência on-line ou de qualquer outra tecnologia de aprendizagem. Estudos estão provando isso.

PRINCIPAL DESAFIO PARA O E-LEARNING
A diferença é que, no e-learning, você tem que fazer um investimento maior e estar mais preparado no início ou antes do curso. No ensino tradicional –e sei porque fui professor–, o instrutor não precisa ter o curso todo planejado antes que as pessoas se inscrevam. Ele pode apenas entrar na sala de aula e preparar o curso ao longo do caminho. No on-line você precisa preparar antes o conteúdo do curso, das tarefas e os meios de comunicação. Ou seja, deve ter um investimento inicial antes de ter estudantes. Isso cria um gargalo de recursos e obstáculos administrativos.

Outro desafio é o treinamento. Tecnologias educacionais são novidade para muita gente, em particular para aquelas que ensinaram apenas na sala de aula tradicional. São necessários tempo e recursos para permitir que essas pessoas se familiarizem com a tecnologia que usarão para dar aulas ou apoio.


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