Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Qual é a diferença entre cirurgias por vídeo e aprendizagem on-line?

Antigamente, quando se queria acusar alguém de ser mau motorista, dizia-se que tirou habilitação por correspondência. Hoje, fazer um treinamento por meio de simuladores é item de qualidade nas autoescolas.

De comum entre os correios e simuladores há o fato de serem meios utilizados na chamada "Educação a Distância" (EaD).

A EaD evoluiu muito desde os primeiros cursos, mas ainda sofre preconceitos que remontam ao tempo em que esse método era sinônimo de curso por correspondência.

Em crescimento - Educação a distância cresce mais que a presencial na última década

Em palestras, costumo perguntar aos que me assistem quem voaria em avião conduzido por piloto formado a distância. Poucos levantam as mãos. Ato contínuo, informo que pilotos de avião de grande porte são treinados em ambientes virtuais (simuladores de voo), bem distantes (ainda bem) dos aviões de verdade e podendo até dispensar a presença física de instrutores. Em seguida, disparo: E quem se submeteria a uma cirurgia realizada por um médico que treinou tal procedimento a distância? Quebro o silêncio emendando: bem, as próprias cirurgias, quando utilizam videolaparoscopia, já são realizadas a distância (o cirurgião visualiza órgãos internos por meio de tela de vídeo e manipula instrumentos cirúrgicos a distância).

Um bom simulador de realidade virtual possibilita que alunos de medicina realizem cirurgias com alto grau de realismo, impossível de ser obtido com cadáveres, animais ou bonecos. Alguns órgãos de classe afirmam que em suas áreas seria impossível formar profissionais a distância. Puro preconceito. Com simuladores, meios de comunicação e metodologia adequados, qualquer habilidade pode ser desenvolvida e qualquer conhecimento pode ser construído, com a mesma qualidade propiciada por métodos tradicionais.

Hoje, praticamente não existe distância intransponível. A sociedade, principalmente a população mais jovem, já aceita com naturalidade telepresença e interação virtual.

As realidades virtual e aumentada já fazem parte do cotidiano (a febre do jogo de realidade aumentada "Pokémon Go", que permite interagir com personagens virtuais em ambientes reais, é mais um exemplo da penetração do virtual em nossas vidas).

A necessidade óbvia de se eliminar a barreira da distância, à luz de uma sociedade em crescente informatização, fez com que tecnologias de comunicação, jogos e simuladores sofisticados fossem incorporados ao arsenal da EaD.

Mas não basta tecnologia. Para que o engajamento do aluno e a aprendizagem de fato ocorram, há necessidade de metodologias adequadas, baseadas em interatividade e numa aprendizagem ativa.

Bons cursos a distância adotam muita tecnologia, mas também metodologias, técnicas pedagógicas e design educacional avançados, diferentemente de algumas abordagens arcaicas baseadas só em aula presencial expositiva.
Tais inovações podem e devem beneficiar também tradicionais cursos presenciais, cujos alunos podem sentir mais distanciamentos e barreiras psicológicas do que estudantes de cursos on-line.

Mas o melhor mesmo, e há mais de 15 anos venho defendendo isso, é a mistura de ambos os modelos, no que hoje se chama de blended learning (aprendizagem híbrida).

Nesse modelo flexível é possível um balanceamento entre atividades presenciais e virtuais, separada ou simultaneamente, possibilitando inclusive uma proporção diferenciada e personalizada para cada aluno. Afinal, o que se deve buscar na educação é quebrar barreiras, eliminar distâncias, independentemente das localizações físicas de alunos e professores. Essa, que eu chamo de "Educação SEM distância, deve ser a educação do futuro. As tecnologias e metodologias que a viabilizam já existem.

Destaco a seguir algumas das principais tendências para a "educação sem distância", além da hibridização. A primeira é a gamificação, que não deve ser confundida com diversão. Trata-se de utilizar conceitos e técnicas do design de jogos, como desafios, metas, narrativas, recompensas, empatia e outras formas de engajamento em atividades pedagógicas.

Outra ferramenta importante a ser incorporada é o "learning analytics", que, por meio de técnicas de inteligência artificial e mineração de dados, ajuda o professor a personalizar a aprendizagem de seus alunos, mais ou menos como lojas virtuais e o Netflix fazem para oferecer atenção diferenciada a cada cliente.

Por fim, destaco as já mencionadas realidades virtual e aumentada. Óculos especiais ou um simples celular possibilitarão transportar alunos e professores para outras realidades, microscópicas ou macroscópicas, passadas ou futuras, simuladas ou imaginadas. Nesses mundos virtuais ou híbridos todos poderão se encontrar. Será difícil dizer se essas aulas serão presenciais ou virtuais. Mas, certamente, serão sem distância.


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