Folha de S. Paulo


Curso on-line não pode servir só para diminuir os custos, diz especialista

Referência mundial em tecnologia aplicada à educação, o brasileiro Paulo Blikstein, 44, diz que a internet não está democratizando o ensino, já que o aluno de baixa renda tem dificuldade para usar recursos on-line.

Professor na Universidade de Stanford (EUA), ele critica a opção de algumas instituições por aulas on-line com o objetivo único de reduzir custos: "O Brasil não está na época de baratear a educação, e sim de aumentar a qualidade. Temos um produto de baixa qualidade que se quer baratear. Não é o caminho. Educação on-line só funciona quando você parte de um produto de boa qualidade."

Moacyr Lopes Junior - 1º.jan.2015/Folhapress
O professor Paulo Blikstein, em São Paulo
O professor Paulo Blikstein, em São Paulo

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Folha - Professores estão preparados para usar tecnologia?
Paulo Blikstein - Focamos mais em comprar equipamento que em formar professor. Ele precisa aprender a redesenhar as aulas para usar o instrumento. Imagine um cirurgião que recebe um bisturi a laser. Sem treinamento, vai se arriscar a usá-lo? Implementação de tecnologia requer equipamento, treinamento e redesenho curricular. Sem isso, vai só colocar milhões no bolso das empresas.

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Há, hoje, diferentes conteúdos pedagógicos disponíveis na internet. É suficiente?
As pesquisas mostram que o aluno que consegue usar bem os recursos on-line é de classe média, que tem professores ao menos razoáveis e pais que ajudam em casa. Esse aluno tem mais autonomia para aprender sozinho. Já o aluno de baixa renda, que vem de uma escola ruim e não tem pais que ajudam, tem enorme dificuldade em usar recursos on-line. Aprender sozinho é algo que demora anos para ser internalizado. A internet não tem sido eficaz na democratização do ensino. Precisamos continuar investindo na escola pública para que o aluno de baixa renda atinja o mínimo de habilidades para usar ferramentas on-line. Estamos longe disso, em parte porque se achou que colocar conteúdo grátis na rede seria o milagre da multiplicação dos pães.

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Vale mesclar disciplinas presenciais e on-line na escola?
É possível combinar ferramentas, mas precisamos estar atentos ao fato de que um aluno de 12 anos não tem a autonomia de um de 20. Portanto, o impacto das ferramentas on-line vai ser menor. Mesmo nas universidades, há um problema grave: muito dessa mescla tem sido feita para baixar custos em vez de melhorar a qualidade. O Brasil não está na época de baratear a educação, e sim de aumentar a qualidade. Temos um produto de baixa qualidade que se quer baratear. Não é o caminho. Primeiro as universidades precisam ter produto de boa qualidade, depois otimizam custos. Educação on-line, mesclada ou não, só funciona quando parte de um produto de boa qualidade. Muita gente está achando que o que é ruim presencialmente vai magicamente ficar bom on-line.

Em crescimento - Educação a distância cresce mais que a presencial na última década

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É possível que a discussão sobre currículo caminhe separadamente da tecnologia?
Uma base curricular não pode ser escrita pensando nas tecnologias do século 19. Por exemplo, se vamos ensinar estatística, não faz sentido fazer isso sem uma planilha eletrônica. Não há uma situação no mundo real em que um aluno vai ter que fazer cálculos estatísticos sem usar um computador. Devemos assumir que as tecnologias básicas estarão presentes na escola e estruturar a base pensando nisso. Não podemos nivelar por baixo e pensar: 'algumas escolas não têm computador, então a base não pode ter esse ou aquele conteúdo'. Essa é a receita do desastre. Precisamos parar de dar ao aluno de baixa renda o básico do básico, enquanto alunos com recursos têm educação de primeiro mundo.

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A tecnologia, afinal, melhora o aprendizado?
A questão não é se ela melhora ou não. É impossível aprender álgebra sem lápis e papel. O mesmo acontece com tecnologias digitais. Há conteúdos de ciências e matemática que não podem ser ensinados sem computadores, e são os conteúdos mais importantes no século 21. Hoje podemos ensinar robótica para uma criança de dez anos. É menos eficiente sem tecnologia, demora mais e é menos intuitivo. Entretanto, usar tecnologia só para digitalizar livros é desperdício.

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PARA SABER MAIS

Livro pode ser baixado de graça

Em "Educação sem Distância" (Editora Senac), Romero Tori debate o uso de tecnologias, como a realidade virtual e jogos, no processo de aprendizagem. O livro, que pode ser baixado gratuitamente em bit.ly/1AJ5McW, mostra ainda vantagens da interatividade na educação.


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