Folha de S. Paulo


Desentendimento marca volta às aulas após ocupações em escolas do RS

A tensão entre estudantes, professores e diretores tem marcado a volta às aulas dois meses depois da ocupação das escolas estaduais gaúchas. Os alunos que participaram das ações resistem a obedecer ordens, enquanto coordenação e docentes penam em reconquistar a confiança das classes.

Com a retomada das aulas e o fim da greve dos docentes, que pediam reajuste salarial ao governo José Ivo Sartori (PMDB), a tentativa de voltar à normalidade tem esbarrado em diferentes tipos de conflito, alguns acabando até na delegacia.

Fernando Gomes/Agência RBS/Folhapress
PORTO ALEGRE, RS, BRASIL, 16/06/2016. Dois dias depois do acordo para o fim das ocupações nas escolas do Rio Grande do Sul, algumas instituições permanecem de portas fechadas. O termo de liberação das instituições, combinado na terça-feira, foi homologado pela Justiça. Porém, o Piratini diz que só cumprirá as reivindicações depois que todos os colégios forem evacuados. Além disso, os estudantes que mantêm escolas ocupadas estão obrigados por decisão judicial a garantir o acesso de alunos, professores, pais e funcionários aos estabelecimentos e a não impedir a realização das atividades letivas. Pelo menos cinco escolas seguem ocupadas e sem aula em Porto Alegre. (Foto: Fernando Gomes/Agência RBS) **RS E SC OUT** **SOMENTE USO EDITORIAL** *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
Escola gaúcha fechada mesmo após acordo para desocupação

Em um dos cerca de 200 colégios que foram ocupados no Estado, o Cristóvão de Mendoza, em Caxias do Sul (a 120 km de Porto Alegre), 14 estudantes foram levados à polícia quando a escola já havia sido desocupada.

Na volta do intervalo, os alunos estavam reunidos sem autorização. Professores e pais contrários à ocupação discutiram com o grupo e ameaçaram chamar a polícia.

"A gente é assaltado aqui na frente e a polícia nunca vem", teria respondido um aluno. "Então, uma professora nos disse: 'vocês são uns merdinhas"', conta Vitória Silveira, 17. A confusão acabou com todos na delegacia –onde a aluna do segundo ano ficou 11 horas.

Os alunos relatam que sofriam ameaças, até com rojões, de um grupo de pais contrários ao movimento que também ocupou a escola.

O grupo, que se auto intitula "pais do bem", tem apoio de um pré-candidato a vereador pelo DEM e líder do MBL na cidade. Diretora da escola, Fabiana Simonaggio, 46, não falou sobre o caso em si, mas disse acreditar que os conflitos ocorram porque os alunos estabeleceram suas próprias regras durante a ocupação e agora precisam "voltar à escola tradicional".

'MUITA MÁGOA'

"Existe a mágoa de todas as partes: tem mágoa dos professores, tem mágoa de alunos que não eram ocupantes, mágoa dos ocupantes. Só o tempo vai sarar essa ferida."

A diretora garante que a escola tem buscado pacificar a situação e que uma psicóloga deve atuar em breve no contato com os alunos.

Para a presidente da ACPM (Federação da Associação de Pais e Mestres do Estado), Berenice da Costa, 56, os alunos ocupantes "voltam diferentes, com novos anseios", o que gera atrito. "A escola vai continuar chata, todo mundo sentadinho atrás do outro. Vai ter que mudar, os professores vão ter que mudar", diz Berenice. Segundo ela, a maioria dos pais sempre foi contra ao movimento.

Em Porto Alegre, houve discussões de pais e alunos em diversas escolas. Mas não são apenas traumas que marcam a volta às aulas. Em Santa Maria (a 251 km da capital), o Ministério Público do Estado utilizou o método de círculo restaurativo para conciliar as partes e firmar um acordo de desocupação que foi sugerido pelos próprios estudantes.

"No primeiro momento escutamos os alunos. 'Ninguém nos escutava, aqui finalmente somos ouvidos', eles diziam. Aí o acordo surgiu normalmente", conta a promotora Rosângela Corrêa da Rosa, 46. De acordo com a assessora jurídica e facilitadora do círculo, Isabel Cristina Silva, 47, a prática promove uma "escuta empática".

"Posso não concordar, mas vou respeitar e ter o meu momento de falar. As pessoas estão sempre [aptas] para refutar ou revidar o que o outro está falando, isso impede uma escuta ativa", diz Isabel.

Diversas reuniões foram realizadas, algumas com mais de cinco horas de duração. Nos círculos, a linguagem adotada é "não-violenta", ou seja, sem julgamento, lidando com problemas sem acusar pessoas. "Na escola, a fala é muito hierárquica, do professor para o aluno, da direção para os pais. As pessoas não ouvem o que as outras têm a dizer", diz a diretora.

Após as ocupações, o governo Sartori se comprometeu a destinar R$ 40 milhões para melhorias estruturais das escolas e adiar o projeto de lei que abriria brecha para privatizar colégios. Com a volta às aulas, o governo fixou que cada escola monte o calendário para recuperação das aulas e encaminhe para as coordenadorias regionais.


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