Folha de S. Paulo


Ministro da Educação é criticado por ex-professor e fala em autoritarismo

O ministro da Educação do governo interino, Mendonça Filho (DEM-PE), foi criticado por um ex-professor da escola em que estudou, no Recife, e rebateu definindo a crítica como autoritária.

Desde domingo (22), quando foi publicada reportagem da Folha sobre o passado de Mendonça na Escola Parque do Recife, circula em redes sociais um texto de autoria de Flávio Brayner, 60, ex-professor de história e de geografia da Escola Parque e hoje professor titular de filosofia de educação da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

No artigo, intitulado "Mendoncinha, o 'Libertador!'", Brayner afirma que as declarações do ministro sobre a escola "depõem contra o autor". "Se tivesse aprendido algo com Myrtha, Dosa ou Malba [fundadoras e diretoras da escola], não defenderia governos que fazem da cultura uma experiência menor ou socialmente irrelevante".

Ana Hounie/Arquivo pessoal
Fachada da Escola Parque do Recife, na praia de Boa Viagem, em foto de 1988 crédito: Ana Hounie/Arquivo pessoal
Fachada da Escola Parque do Recife, na praia de Boa Viagem, em foto de 1988

O professor relata um episódio em que o pai do ministro, o político José Mendonça Bezerra (1936-2011), teria integrado um grupo de pais que pediu a sua saída da escola por causa de um texto do dramaturgo marxista Bertolt Brecht distribuído aos alunos da turma de Mendonça.

"Lembro perfeitamente quando, em uma de minhas aulas, pedi aos alunos a leitura da peça de Brecht 'A Exceção e a Regra', para posterior discussão, e os pais dos alunos -entre eles o de Mendoncinha (José Mendonça)- exigiram uma reunião com a direção para pedir minha cabeça: foi a resistência altiva das três professoras que impediram [sic] que eu perdesse meu emprego. Mendoncinha continuou na escola, provavelmente para aprender mais sobre 'diversidade'!", escreveu Brayner.

Mendonça, 49, estudou na Escola Parque por sete anos (da então quinta série, atual sexto ano, até prestar o vestibular para administração). À reportagem e em pelo menos uma ocasião pública, ele elogiou a pluralidade da escola e ressaltou a importância da experiência para sua formação.

Segundo as diretoras e o próprio Mendonça relataram à Folha, a família do ministro se queixou à escola em diversas ocasiões de posições políticas de professores –mas em todos os relatos quem ia reclamar era a mãe dele.

LIVRE PENSAR

Procurado pela reportagem, Mendonça Filho criticou, em nota enviada por sua assessoria, a "intransigência" e o "autoritarismo" do texto de Brayner.

"Como democrata e liberal por convicção, o ministro defende o direito ao livre pensar de todo cidadão e, em especial, do professor Flávio Brayner. Lamenta apenas o fato de o professor, que ensina filosofia da educação, cuja essência deve ser o respeito à pluralidade de pensamentos, assine um texto com um conteúdo permeado por intransigência, autoritarismo e em defesa do pensamento único", diz a nota.

"Embora discorde, o ministro respeita a posição de Brayner. E destaca, ainda, que sempre o respeitou, pois aprendeu com seus pais o respeito às pessoas independente de suas crenças."

Arquivo Pessoal
Mendonca Filho em passeio com colegas de sua turma na Escola Parque do Recife em foto sem data nos anos 80
Mendonça (sentado, ao centro) em passeio com colegas de turma na Escola Parque, nos anos 1980

"Parodiando a música 'Madeira que Cupim Não Rói', muito popular no carnaval de Pernambuco, digo que, queiram ou não queiram Flávio Brayner e outros que reagem com intolerância, eu estudei na Escola Parque", afirmou Mendonça, para quem "nem Brayner nem ninguém vão apagar" a sua história.

Em entrevista à Folha na semana passada, Mendonça mencionou Brayner como um dos professores que o marcaram na Escola Parque, ao lado de José Batista.

"Naquele fim de regime militar, abertura política, a discussão na sala de aula era muito acalorada. Até pra defender, concordar ou discordar, a gente tinha liberdade, o que era incomum à época, de contestar professor, de contrapor... Eles tinham uma formação marxista, leninista, de uma forma muito elevada, educada."

EX-ALUNOS

O texto de Brayner é, desde domingo, o maior hit de um grupo de Facebook criado por ex-alunos da Escola Parque, segundo o qual o ministro "usa o nome da Escola Parque para tentar um approach com a esquerda".

No grupo, batizado de "Ex-Alunos e Professores da Escola Parque em Defesa da Democracia", veteranos são chamados a produzir vídeos de reação à associação de Mendonça com a Escola Parque.

"Acreditamos que a Escola Parque foi citada [por Mendonça] de maneira injusta. Um ataque leviano contra a imagem de uma escola regida por princípios democráticos, que sempre estimulou em seus alunos o respeito às diferenças e o desenvolvimento do pensamento crítico. Alunos, ex-alunos, professores, pais de alunos da EPR são agora chamados para contar uma outra história sobre a influência da Escola Parque em nossas vidas. Quais nossos sonhos para este país, o que desejamos para a cultura e educação no Brasil. O que achamos da declaração do novo ministro, da sua nomeação e deste governo golpista", diz um trecho do manifesto.

Mendonça afirmou que, assim como pode haver ex-alunos que discordam dele, há também os que o elogiam e o defendem.

Horas depois, foram enviados à reportagem, por meio de sua assessoria, depoimentos de ex-alunos com elogios ao ex-colega, incentivo ao seu trabalho no ministério e críticas ao artigo de Flávio Brayner.

O médico Carlos Aguiar, professor da UFPE como Brayner, disse estar "estarrecido" com as "acusações levianas" a Mendonça e que o episódio da peça de Brecht não teria acontecido na turma do hoje ministro, mas na sua, um ano adiante.

A empresária Sophia Lins, presidente do Lide Mulher PE, afirmou: "Lamento a essa altura do campeonato que seja vítima do preconceito de alguns professores e alunos da escola. Fiquei muito feliz em ter uma pessoa como ele em um ministério tão importante como o da Educação, tenho certeza que ele honrará o estado de Pernambuco".


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