Folha de S. Paulo


Desempenho das meninas na área de exatas cai com a idade

Veja o que acontece nessa fase

A chegada da puberdade traz um fenômeno bastante conhecido, muito estudado, mas pouco resolvido. É nessa fase que o desempenho das meninas nas áreas de exatas começa a cair sem parar. E nunca mais melhora.

Por que isso acontece?

De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, a resposta está nos estímulos que as meninas recebem na escola, na família e na sociedade.

Ao que parece, o interesse das meninas pelas exatas até continua. Dados da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas) mostram que o número de alunas inscritas na competição tende a se manter ao longo da vida escolar.

No ano passado, a quantidade delas nessa olimpíada até aumentou um pouco do sexto e sétimo anos do fundamental (47,6%) para oitavo e nono anos (50,5%).

O que muda -e cai- é o desempenho dessas garotas.

No fundamental 2, há, em média, quatro garotas para cada dez alunos no grupo que acerta cerca de 75% das questões das olimpíadas. No ensino médio, o número de meninas cai para três em dez.

Entre os estudantes de alto rendimento nas olimpíadas que estão no fundamental 2, com acerto de cerca de 95% na competição, o número de meninas fica perto de três em dez alunos. No ensino médio, a participação delas cai para duas em dez.

"Quanto mais sobem as notas, menos encontramos meninas", diz Claudio Landim, diretor-adjunto do Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada), que organiza a competição. "Isso eu não sei como explicar", diz.

Para tentar achar respostas, o instituto acabou de criar uma comissão de gênero -ideia que, de acordo com Landim, veio da única cientista mulher do instituto, Carolina Araujo, em 50 homens.

De acordo com Maria Izabel Camacho, diretora da Escola de Matemática Aplicada da FGV do Rio, os dados das olimpíadas são uma das poucas informações "concretas" sobre a participação feminina na matemática no país.

"O fenômeno preocupante é que, a partir do sexto e sétimo anos, a participação feminina nas premiações decresce", diz ela.

Perfil do estudante brasileiro do ensino fundamental 2

LIMPINHAS

Há, na academia, algumas teses para esse cenário. De acordo com a física Marcia Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a escola estimula mais os meninos para as áreas "duras".

"Há relatos de professores que não esperam que as meninas se deem bem em exatas", diz Barbosa. Ela é, hoje, um dos principais nomes do país a debater gênero nas áreas de exatas e de ciências.

A expectativa da família também influencia. "Pai e mãe precisam parar de se preocupar com que as meninas fiquem 'limpinhas'."

Isso porque ciências, tecnologia e laboratórios exigem experimentação e "sujeira". Não combinam com a ideia da menina "princesinha".

Lea Velho, titular em estudos sociais da ciência na Unicamp e estudiosa de gênero e ciência, concorda.

"O estereótipo de que os meninos são melhores em ciências e matemática ainda impacta as meninas hoje."

Para ela, as garotas ainda acreditam que exatas e engenharias não são para elas.

E mais: de acordo com Barbosa, muitas famílias colocam na cabeça das meninas que mulheres cientistas não casam ou têm filhos.

"Se sou adolescente e penso em ter filhos, escolho áreas de humanas", diz.

Esse monte de influências externas acontece bem em uma fase em que as meninas estão mais vulneráveis.

Isso vai mudar? "Sim, porque estamos falando sobre o assunto", diz Barbosa. A ver.


Endereço da página:

Links no texto: