Folha de S. Paulo


Pós-graduação que une áreas distintas ajuda a formar profissionais 'curingas'

A frase "ele é difícil, mas entende do que faz", comum para se referir ao profissional pouco versátil e extremamente especializado, pode estar com os dias contados.

A retração do mercado de trabalho e o consequente acúmulo de funções deu maior destaque aos "curingas", aqueles que aliam conhecimento de diferentes áreas e conseguem analisar um mesmo problema por diversos ângulos.

"Competências ligadas a flexibilidade, formação acadêmica abrangente e disposição para assumir diferentes atividades estão no topo das exigências das empresas neste momento", afirma Fernando Goés, consultor de jovens executivos e membro do conselho de companhias como Cacau Show e Cuponeria.

Nesse cenário, ganham prestígio no mercado quem tem especialização interdisciplinar no currículo.

São os cursos que juntam duas ou mais áreas na mesma grade curricular, como saúde e educação, por exemplo, para formar profissionais capazes de transitar entre várias áreas do conhecimento.

Modalidade dos curso de pós-graduação

EM EXPANSÃO

Hoje, o Ministério da Educação lista mais de 400 cursos do tipo. Estão nessa leva programas como agroenergia, inclusão social, cultura e sociedade e educação e saúde na infância.

Em média, a oferta desses cursos tem aumentado 20% a cada ano no país, segundo a pasta. É o dobro da taxa de crescimento dos programas tradicionais.

"A cada dia, temos problemas mais difíceis para solucionar. A academia está se conscientizando de que não consegue mais encontrar as respostas em uma única área", diz Lúcia Santaella, vice-coordenadora da pós em tecnologias da inteligência e design digital na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

O mestrado e o doutorado nessa área, por exemplo, juntam três campos distintos -computação, linguagem cognitiva e design. "Preparamos profissionais para lidar com os desafios tecnológicos que impactam a forma como aprendemos e consumimos informação", explica Santaella.

Modelagem de software, inteligência artificial e teorias e práticas da aprendizagem estão entre as disciplinas obrigatórias.

A bibliotecária Renate Landshoff, 56, se formou no mestrado da PUC-SP em 2011, após duas décadas trabalhando com gestão de documentos em escritórios de advocacia e como professora universitária.

"Buscava uma formação generalista que me permitisse avançar na carreira acadêmica e ao mesmo tempo ampliar as possibilidades de trabalhar como consultora e empreendedora", afirma.

Atualmente, Landshoff dá aulas na pós-graduação de governança e gestão estratégica de dados na Unicsul (Universidade Cruzeiro do Sul), em São Paulo.

Há poucos meses, abriu uma consultoria na área para atender grandes empresas.

"Um ponto que me chamou a atenção foi o viés empreendedor dos alunos. A maioria compartilha a carreira múltipla como professores, pesquisadores e donos de suas próprias empresas."

A administradora Janaína Firmina, 39, de Limeira (SP), acabou de se formar na primeira turma do mestrado de ciências humanas e sociais aplicadas na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), criado em 2014.

O curso estimula os alunos a encontrar soluções para políticas envolvendo urbanização, mudanças ambientais, segurança alimentar e nutricional e fatores de risco para a saúde das comunidades.

Segundo a administradora, a principal vantagem do programa interdisciplinar foi a troca de ideais e o contato com pessoas de diversas áreas.

"Tive colegas que são fisioterapeutas, biólogos, nutricionistas, advogados, entre outros", diz Firmina, que dá aulas de administração em duas universidades e é dona de uma consultoria em treinamentos e desenvolvimento de carreira.

O modelo foi um teste para a própria Unicamp. "As disciplinas foram ministradas em docência dupla, ou seja, em todas as aulas havia dois professores com visões antagônicas sobre os temas discutidos", diz Eduardo José Marandola Junior, coordenador do programa.

ALÉM DO BÁSICO

Para os recrutadores, os alunos desses cursos são mais abertos a experiências profissionais variadas.

"Eles têm uma visão mais sistêmica para conversar com todas as áreas da empresa e resolver problemas rapidamente", relata o consultor Goés.

Segundo ele, deter conhecimentos técnicos é um pré-requisito tão básico para o mercado que já não serve mais para garantir uma vaga a um profissional no processo seletivo.

"Entender o que está acontecendo em sua volta e transformar esse conhecimento em soluções são as qualidades mais valiosas."


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