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Ensino infantil precisa ter currículo claro, diz assessor de Educação sueca

Modelo de qualidade mesmo para países desenvolvidos, o ensino infantil na Suécia tem como um dos pilares o currículo nacional, afirma Christer Tofténius, conselheiro sênior do Ministério da Educação sueco.

No país escandinavo, desde 1998 há definição clara de habilidades que as crianças com menos de seis anos devem ter. O Brasil ainda discute a adoção desse currículo.

Tofténius, 55, esteve em São Paulo para falar sobre a experiência sueca no ensino infantil, em evento promovido pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Insper, USP, hospital Sabará e Universidade Harvard (EUA).

A Suécia foi apresentada pela OCDE (organização dos países desenvolvidos) como o país que pode inspirar outros.
Além do cronograma de implementação do currículo, há outras diferenças entre o sistema escandinavo e o brasileiro. O currículo sueco é explícito ao afirmar quais habilidades as crianças devem ter.

Entre um e três anos, elas já devem saber em matemática, por exemplo, o que significa o sinal de igualdade e têm que ter noção de fração.

O currículo brasileiro em discussão (feito por educadores e que precisa do aval do Ministério da Educação para entrar em vigor) é genérico.

Diz que as crianças "devem participar da resolução de problemas cotidianos que envolvam quantidades, medidas, dimensões, tempos, espaços, comparações, transformações, levantando hipóteses", sem citar exatamente o que devem aprender em cada uma das ações.

A formação de professores é diferente. Na Suécia, é preciso curso superior de três anos e meio para lecionar no ensino infantil.

No Brasil, o curso exigido é o de pedagogia, em geral de três anos, que busca formar o profissional para atuar com alunos do infantil ao 5º ano do fundamental, ser dirigente e pesquisador.

A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha por Tofténius, em que ele detalha a experiência sueca.

Fabio Braga/Folhapress
Christer Tofténius, conselheiro sênior do Ministério da Educação sueco
Christer Tofténius, conselheiro sênior do Ministério da Educação sueco

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Folha - O que funciona no sistema sueco?
Christer Tofténius - Um dos fatores é a competência da equipe. Todos os professores devem ser formados no ensino superior, com curso voltado para atuar especificamente no ensino infantil. Outro fator importante é ter um currículo. Ele já funciona bem para linguagem e matemática, mas pode funcionar melhor em ciências naturais. Vale para todas as crianças, de 1 a 6 anos. O que muda são os métodos para cada idade. Claro que as crianças têm ritmos diferentes. Mas todas devem estar pelo menos num patamar mínimo.
Seguimos o desenvolvimento de cada criança. Do contrário, não saberíamos como estimulá-la bem. Podemos ver que determinada criança está com problemas de interação com outras e definir o que devemos fazer. Ou, se uma de cinco anos não demonstra qualquer interesse nas letras, há algo errado aí.

O sistema espera que a criança esteja alfabetizada ao fim do ensino infantil?
Não.

O que esperar da criança após essa etapa então?
Que ela tenha tido uma ótima infância [risos]. Que ela esteja preparada para o ensino obrigatório e um bom desenvolvimento no restante da vida. Mas claro que as crianças são curiosas, inclusive por letras e números. Lemos livros no ensino infantil, temos estratégias para estimular a linguagem delas por meio de músicas, peças. Assim, aos cinco anos, muitas já sabem ler e escrever. Mas não as treinamos para isso.

No Brasil debatemos se as crianças devem começar a alfabetização formal na pré-escola. Por que vocês decidiram não esperar isso delas?
É algo de tradição. Começamos a escola fundamental aos sete anos [no Brasil, é aos seis]. A maior parte das escolas de ensino infantil trabalha com linguagem, e boa parte das crianças sabe ler e escrever antes dos sete. Se você desperta a curiosidade da criança, ela deslancha.

Há grande demanda na Suécia para ser professor de ensino infantil, mesmo que o salário seja menor do que o dos demais professores. Por quê?
É uma grande questão na Suécia. Os resultados na escola obrigatória estão caindo. A mídia descreve a situação como um caos. Já o nosso ensino infantil é conhecido mundialmente. Se você é interessado em música, pintura ou teatro, você pode trazer tudo isso à criança. Você tem de seguir o currículo, mas há muito de toque pessoal. Essa liberdade é gratificante.

Quais são os desafios para a pré-escola na Suécia?
Um é diminuir o tamanho das turmas; a média hoje é de 17 [mesmo número no Brasil]. O governo está alocando recursos extras para diretores diminuírem as turmas.


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