Folha de S. Paulo


Vice de Alckmin defende suspensão de plano para reorganizar rede escolar

O vice-governador paulista, Márcio França (PSB), defendeu nesta sexta-feira (4) a revogação do plano da gestão Geraldo Alckmin (PSDB) de reorganização da rede de ensino paulista.

A declaração ocorre em meio a uma série de manifestações de estudantes contrários à medida, com ocupação de ao menos 196 escolas e bloqueios, desde o início desta semana, de uma série de vias importantes da cidade de SP.

Questionado sobre a possibilidade de o governo "voltar atrás", o vice-governador disse: "Não sei se a palavra é um passo atrás. A reorganização não começou ainda, ela só vai começar em 2016. Eu faria uma coisa que, acho, ao longo de 2016, daria para discutir bastante, para quem sabe implantar em 2017. Acho que é uma boa solução".

Um dia antes, Alckmin havia trocado o comando das negociações com os estudantes e convocou uma audiência pública para tentar pôr fim à onda de ocupações de colégios no Estado.

A audiência ocorrerá na próxima quarta (9), com a participação de representantes de alunos das 196 escolas ocupadas –de um total de 5.127 unidades no Estado.

Do lado do governo, a negociação agora está a cargo do secretário Edson Aparecido (Casa Civil), escalado pelo governador para a função até então ocupada pelo titular da Educação, Herman Voorwald, enfraquecido com o avanço dos protestos.

Aparecido, porém, já deixa claro que não haverá recuo na proposta original do governo e que resultará no fechamento de 92 colégios em 2016. "Talvez a audiência pública nos dê uma oportunidade de fazer uma discussão, não sob o ponto de vista de revisar, mas no ponto de vista de esclarecer também os critérios."

O plano, já publicado em decreto, prevê que 754 escolas passem a ter apenas um ciclo de ensino no ano que vem (anos iniciais, finais do fundamental ou o médio).

Segundo o governo, o objetivo é melhorar a qualidade do ensino e evitar que um aluno de seis anos, por exemplo, frequente a mesma unidade de um adolescente de 17 anos.

Para a aplicação desse plano, além de 92 escolas fechadas, 311 mil alunos serão remanejados –entre os 3,8 milhões de estudantes da rede.

A onda de ocupações das escolas tem o aval da Justiça, que já negou pedidos de reintegração de posse feitos pelo governo. Sindicato dos professores, Ministério Público e Defensoria também cobram a revogação desse plano.

Promotores e defensores públicos entraram nesta quinta com uma ação na Justiça para barrar o plano. Segundo eles, o governo "não dialogou" com a sociedade, versão contestada pela Secretaria da Educação.
'dança das cadeiras'

Desde o início da semana, os manifestantes (que incluem alunos, sindicalistas e integrantes de outros movimentos, como o Passe Livre) decidiram radicalizar os protestos contra o projeto, com uma série de bloqueios de ruas e avenidas da capital.

Nesta quinta (3), os bloqueios começaram de manhã e se estenderam até o início da noite, em diferentes pontos da cidade. Sempre em pequenos grupos, de 50 a 100 pessoas, manifestantes bloqueavam as vias com cadeiras escolares.

As ações duravam poucos minutos, para tentar escapar da dispersão da Polícia Militar, mas era o suficiente para irritar motoristas, que buzinavam e xingavam os manifestantes em meio aos congestionamentos.

POPULARIDADE

Márcio França ainda atribuiu à queda histórica na popularidade do governador Geraldo Alckmin aos reflexos da crise e a polêmica da reorganização escolar proposto pelo governo estadual.

Para ele, inclusive, a mudança em parte das escolas paulistas poderia ser adotada só em 2017, depois de discussões ao longo de 2016. O governo, porém, confirma que a reorganização educacional será implantada já no próximo ano.

Segundo pesquisa Datafolha publicada nesta sexta-feira (4) pela Folha, o desempenho do tucano como ótimo ou bom caiu 20 pontos percentuais em pouco mais de um ano: de 48% às vésperas da eleição de 2014 para 28% agora.

França esteve em Campinas, no interior do Estado, para participar de um evento sobre exportação organizado pelo governo paulista. O governador Alckmin também era esperado, inclusive, pelo cerimonial, mas não compareceu.

"Acho que essa crise nacional afeta todo mundo, porque as pessoas ficam chateadas com a vida nacional e afeta também em São Paulo, é claro. Mas também tem o fato da educação, que é um componente novo, embora ainda não aplicado. Então as pessoas criaram essa situação [de queda na popularidade]", disse ele.

Questionado sobre a possibilidade do governo "voltar atrás" no processo de reorganização, o vice-governador disse: "Não sei se a palavra é um passo atrás. A reorganização não começou ainda, ela só vai começar em 2016. Eu faria uma coisa que acho ao longo de 2016 daria para discutir bastante pra quem sabe implantar em 2017. Acho que é uma boa solução."

De acordo com França, o movimento estudantil, de ocupação de escolas e agora de interdição de vias para chamar a atenção sobre as mudanças na educação, contribuiu para o resultado apontado no Datafolha.

"Jovem é jovem. Quem foi do movimento estudantil sabe que isso tem um peso. Vamos ver se a gente consegue encontrar uma solução pacífica, o que é mais importante", afirmou.

raio-x da rede estadual -

Estudantes afetados pelas mudanças -

Destino das 196 escolas ocupadas -

Matrículas na rede estadual, em milhões -

Mudanças na educação

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ARGUMENTOS A FAVOR
Segundo o governo e especialistas em educação

> Separar por ciclos facilita a gestão, e a escola estará mais preparada para focar nas demandas pedagógicas de cada uma das fases de aprendizado
> A medida evita que alunos de diferentes idades convivam num mesmo ambiente escolar. Nas unidades de três ciclos, por exemplo, há crianças de seis anos ao lado de adolescentes?de 17 anos
> Como a rede perdeu 2 milhões de alunos nos últimos 17 anos, a reorganização permitirá que salas de aula ociosas sejam reocupadas pelos estudantes
> Levantamento interno da Secretaria da Educação aponta que alunos de ciclos únicos têm desempenho até 28% maior que os demais

ARGUMENTOS CONTRA
Segundo sindicato, estudantes e especialistas em educação

> Mudanças visam apenas o corte de gastos do governo, pois separar crianças e adolescentes não tem nenhuma sustentação pedagógica
> O fechamento de unidades ampliará a superlotação de salas, enquanto o remanejamento mexerá diretamente com a rotina de alunos, pais e professores (que terão que percorrer distância maior para chegar à escola)
> Com menos escolas, a demanda por professores irá diminuir, o que pode resultar em menor número de docentes temporários a cada ano
> Outros fatores, que não ciclo único, podem ser a razão do melhor desempenho de alunos no levantamento feito pelo governo

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INCONSISTÊNCIAS

> O plano de reestruturação ainda não foi apresentado, e nenhuma audiência pública foi realizada antes do anúncio
> Governo promete transformar as 92 escolas fechadas em unidades de educação, como creches ou escolas técnicas
> Prefeitura de SP (responsável pelas creches) e o Centro Paulo Souza (técnicas) não dizem se usarão os prédios e para quê
> Entre as escolas que serão fechadas em 2016, há colégios de ciclo único e escolas com notas acima da média estadual

CRONOLOGIA DA CRISE

22.set
Proposta inicial da Secretaria da Educação prevê transferir 1 milhão de alunos em 2016

6.out
Começam os primeiros protestos de rua contra reorganização dos ciclos de ensino

27.out
Governo faz pacote menor, com transferência de 311 mil alunos e o fechamento de 94 escolas

9.nov
Com críticas à falta de diálogo, primeiras escolas são ocupadas por estudantes

13.nov
Governo estadual pede reintegração de posse, mas Justiça dá razão aos estudantes

15.nov
Tentativa de acordo na Justiça fracassa, e ocupações em escolas estaduais explodem

23.nov
Justiça nega, pela 2ª vez, reintegração de posse; ocupações chegam a 108 escolas

24.nov
O Saresp, prova da rede estadual, tem a menor adesão. SP diz que não pagará bônus a docentes

25.nov
O secretário da Educação admite que pode ter havido "deficiência" na comunicação

30.nov
Estudantes mudam estratégia e passam a bloquear vias de São Paulo como protesto

1º.dez
Alckmin publica decreto para transferência de servidores da Educação, e reforma avança


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