Folha de S. Paulo


Em dia de protestos em série contra reorganização escolar, três são presos

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A noite desta quinta-feira (3) terminou com dois homens e uma mulher presos por participar de protestos contra o plano do governo estadual de reorganizar a rede pública de escolas. Os presos participaram de um bloqueio na avenida Faria Lima, na zona oeste de São Paulo. Eles irão responder por corrupção de menor e desacato, entre outros crimes.

Na quinta, houve um avanço na tática dos estudantes de bloquear vias em SP, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) trocou o comando das negociações com os estudantes e convocou uma audiência pública para tentar pôr fim à onda de ocupações de colégios no Estado.

A audiência ocorrerá na próxima quarta (9), com a participação de representantes de alunos das 196 escolas ocupadas -de um total de 5.127 unidades no Estado.

Do lado do governo, a negociação agora está a cargo do secretário Edson Aparecido (Casa Civil), escalado pelo governador para a função até então ocupada pelo titular da Educação, Herman Voorwald, enfraquecido com o avanço dos protestos.

Aparecido, porém, já deixa claro que não haverá recuo na proposta original do governo e que resultará no fechamento de 92 colégios em 2016. "Talvez a audiência pública nos dê uma oportunidade de fazer uma discussão, não sob o ponto de vista de revisar, mas no ponto de vista de esclarecer também os critérios."

O plano, já publicado em decreto, prevê que 754 escolas passem a ter apenas um ciclo de ensino no ano que vem (anos iniciais, finais do fundamental ou o médio).

Segundo o governo, o objetivo é melhorar a qualidade do ensino e evitar que um aluno de seis anos, por exemplo, frequente a mesma unidade de um adolescente de 17 anos.

Para a aplicação desse plano, além de 92 escolas fechadas, 311 mil alunos serão remanejados -entre os 3,8 milhões de estudantes da rede.

A onda de ocupações das escolas tem o aval da Justiça, que já negou pedidos de reintegração de posse feitos pelo governo. Sindicato dos professores, Ministério Público e Defensoria também cobram a revogação desse plano.

Promotores e defensores públicos entraram nesta quinta com uma ação na Justiça para barrar o plano. Segundo eles, o governo "não dialogou" com a sociedade, versão contestada pela Secretaria da Educação.

'DANÇA DAS CADEIRAS'

Desde o início da semana, os manifestantes (que incluem alunos, sindicalistas e integrantes de outros movimentos, como o Passe Livre) decidiram radicalizar os protestos contra o projeto, com uma série de bloqueios de ruas e avenidas da capital.

Nesta quinta (3), os bloqueios começaram de manhã e se estenderam até o início da noite, em diferentes pontos da cidade. Sempre em pequenos grupos, de 50 a 100 pessoas, manifestantes bloqueavam as vias com cadeiras escolares.

As ações duravam poucos minutos, para tentar escapar da dispersão da Polícia Militar, mas era o suficiente para irritar motoristas, que buzinavam e xingavam os manifestantes em meio aos congestionamentos.

Na zona oeste, por exemplo, alunos de uma das primeiras escolas ocupadas fecharam a av. Faria Lima diversas vezes. Para liberar o trânsito, PMs usaram bombas de efeito moral. Para se proteger, alguns jovens se escondiam entre os carros.

Atrasada, a advogada Daniele Almeida, 37, deixou o carro num estacionamento na rua bloqueada e pegou um táxi. "Respeito o protesto, faz parte da democracia, mas também prejudica meu direito de ir e vir", disse.

Teve também desabafo de um PM. "Deixem eu falar. Sou formado em direito. E o direito de vocês termina onde começa o deles aqui", disse, apontando para os motoristas, para logo em seguida ouvir reclamações dos jovens sobre o uso da força pela PM.

Um das manifestantes, a estudante de jornalismo Isabel Pereira, 21, foi algemada. "Me prenderam só porque eu estava avisando quando os policiais iam jogar a bomba."

raio-x da rede estadual -

Estudantes afetados pelas mudanças -

Destino das 196 escolas ocupadas -

Matrículas na rede estadual, em milhões -

Mudanças na educação

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ARGUMENTOS A FAVOR
Segundo o governo e especialistas em educação

> Separar por ciclos facilita a gestão, e a escola estará mais preparada para focar nas demandas pedagógicas de cada uma das fases de aprendizado
> A medida evita que alunos de diferentes idades convivam num mesmo ambiente escolar. Nas unidades de três ciclos, por exemplo, há crianças de seis anos ao lado de adolescentes?de 17 anos
> Como a rede perdeu 2 milhões de alunos nos últimos 17 anos, a reorganização permitirá que salas de aula ociosas sejam reocupadas pelos estudantes
> Levantamento interno da Secretaria da Educação aponta que alunos de ciclos únicos têm desempenho até 28% maior que os demais

ARGUMENTOS CONTRA
Segundo sindicato, estudantes e especialistas em educação

> Mudanças visam apenas o corte de gastos do governo, pois separar crianças e adolescentes não tem nenhuma sustentação pedagógica
> O fechamento de unidades ampliará a superlotação de salas, enquanto o remanejamento mexerá diretamente com a rotina de alunos, pais e professores (que terão que percorrer distância maior para chegar à escola)
> Com menos escolas, a demanda por professores irá diminuir, o que pode resultar em menor número de docentes temporários a cada ano
> Outros fatores, que não ciclo único, podem ser a razão do melhor desempenho de alunos no levantamento feito pelo governo

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INCONSISTÊNCIAS

> O plano de reestruturação ainda não foi apresentado, e nenhuma audiência pública foi realizada antes do anúncio
> Governo promete transformar as 92 escolas fechadas em unidades de educação, como creches ou escolas técnicas
> Prefeitura de SP (responsável pelas creches) e o Centro Paulo Souza (técnicas) não dizem se usarão os prédios e para quê
> Entre as escolas que serão fechadas em 2016, há colégios de ciclo único e escolas com notas acima da média estadual

CRONOLOGIA DA CRISE

22.set
Proposta inicial da Secretaria da Educação prevê transferir 1 milhão de alunos em 2016

6.out
Começam os primeiros protestos de rua contra reorganização dos ciclos de ensino

27.out
Governo faz pacote menor, com transferência de 311 mil alunos e o fechamento de 94 escolas

9.nov
Com críticas à falta de diálogo, primeiras escolas são ocupadas por estudantes

13.nov
Governo estadual pede reintegração de posse, mas Justiça dá razão aos estudantes

15.nov
Tentativa de acordo na Justiça fracassa, e ocupações em escolas estaduais explodem

23.nov
Justiça nega, pela 2ª vez, reintegração de posse; ocupações chegam a 108 escolas

24.nov
O Saresp, prova da rede estadual, tem a menor adesão. SP diz que não pagará bônus a docentes

25.nov
O secretário da Educação admite que pode ter havido "deficiência" na comunicação

30.nov
Estudantes mudam estratégia e passam a bloquear vias de São Paulo como protesto

1º.dez
Alckmin publica decreto para transferência de servidores da Educação, e reforma avança

Colaboraram Artur Rodrigues, Leandro Machado, Felipe Souza, Fabrício Lobel e Rogério Pagnan


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