Folha de S. Paulo


Conheça dez histórias de quem diz ter achado o emprego dos sonhos

No caso da maioria das pessoas, beber cerveja, ouvir música ou jogar videogame são atividades para os dias de folga. Há alguns profissionais, porém, que recebem dinheiro exatamente para fazer aquelas coisas que consideram prazerosas.

A reportagem da Folha ouviu dez pessoas que atuam nesses "empregos dos sonhos" para saber como lidam com o trabalho e como se prepararam para chegar lá.

Gente como o chef Renato Caleffi, que abandonou os tribunais para comandar fogões. "No fim do curso de direito, comecei a procurar estágio em restaurante; hoje, estou vivendo meu sonho."

Para chegar a essas profissões ideais, a reportagem se baseou em pesquisas como a da Universidade de Chicago, nos EUA. Durante 18 anos, de 1988 a 2006, ela compilou dados sobre a satisfação profissional de 27.587 americanos -os clérigos apareceram em primeiro lugar.

Também foram utilizadas informações dos sites americano de vagas CareerCast (que elenca anualmente as profissões menos estressantes) e CareerBliss (que aponta as ocupações mais felizes).

É importante que o sonhador saiba onde quer chegar, aconselha Rodrigo Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional: "É bom planejar os passos, seja para quem está iniciando a vida profissional, seja para quem quer trocar para a carreira dos sonhos".

CUSTO

Mesmo quem trabalha com o que gosta deve adequar as expectativas à realidade, diz Maria José Tonelli, especializada em comportamento organizacional da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas). "É preciso saber do que se está disposto a abrir mão", diz ela.

É o caso de Henrique Caprino, 24. Formado em design de games, começou a carreira na publicidade. "Odiava aquilo, não tinha nada a ver comigo." Ele decidiu, então, sair do emprego e abrir uma produtora de jogos -agora está mais feliz, embora ganhe menos.

"O ideal é que a pessoa vá atrás daquilo que a faça vibrar, para evitar que se torne um profissional meia-boca", diz Fonseca.

Já Tonelli, da FGV, faz uma ressalva. "Não adianta achar que vai ser feliz o tempo todo, isso não existe", diz.

CONHEÇA OS DEZ PROFISSIONAIS

MARIANA PEREIRA, 32

Arquivo Pessoal
Mariana Pereira, 32, deixou a engenharia para dar aulas de matemática
Mariana Pereira, 32, deixou a engenharia para dar aulas de matemática

"É um sonho. Parece até surreal", diz Mariana Pereira, 32, sobre dar aulas. Lecionar sempre esteve nos seus planos de carreira. "Quando criança, eu dava aulas às minhas amigas e primos. Ensinar sempre me agradou", diz. Foi esse apreço o que a motivou a estudar engenharia na Unicamp. Mais do que trabalhar na área, ela pensava em ensinar alguma disciplina da graduação. A trajetória de sucesso em uma empresa, porém, a fez adiar a ideia. "Eu projetava partes metálicas de equipamentos industriais e me sentia presa a algo que não parecia fazer diferença para ninguém", conta. A retomada veio após seis anos. "Com minha formação, eu poderia dar aulas de matemática, e decidi recomeçar", diz. Mesmo com a redução salarial inicial para cerca de um quinto do que recebia, Mariana se diz realizada. " Quando entro na sala de aula, esqueço tudo que acontece do lado de fora, todos os problemas. Meu foco está apenas ali, no que tenho de passar aos alunos, e como posso fazer isso da melhor maneira", diz. "Meu trabalho é quase uma terapia". Pesquisa da Universidade de Chicago (EUA) dá razão a ela: a profissão de professor está listada entre as dez mais felizes.

HENRIQUE CAPRINOS, 24

Paulo Troya/Folhapress
Henrique Caprinos, 24, abandonou a publicidade para ser produtor de games
Henrique Caprinos, 24, abandonou a publicidade para ser produtor de games

Formado em design de games, Henrique Caprinos sempre soube o que queria ser. "Nunca tive dúvidas, desde pequeno quero trabalhar com videogames", conta. "Tenho colegas que brigaram com a família, mas a minha entendeu, até achou legal eu fazer uma coisa diferente." Segundo ele, o mercado de games ainda é um "recém-nascido" no país. Por isso, ele chegou a trabalhar em uma agência de publicidade –mas não gostava da área. "Não foi para isso que eu tinha estudado", diz ele. Em 2013, abriu, com dois sócios, a produtora de jogos Pocket Trap. "No início, trabalhava nos horários livres, mas agora me dedico em tempo integral." Caprinos já ganha algum dinheiro, mas ainda não consegue se manter sozinho. O primeiro jogo da empresa sai no ano que vem. "Estou super ansioso", afirma ele.

BRUNO TELLOLI, 31

Paulo Troya/Folhapress
Bruno Telloli é o único brasileiro criador de listas de música para o Spotify
Bruno Telloli é o único brasileiro criador de listas de música para o Spotify

Para criar as listas do Spotify, espécie de biblioteca digital de músicas, o publicitário Bruno Telloli precisa ler jornais, acompanhar as redes sociais e seguir o que acontece no mundo pop. "Já fiz lista para relaxar antes do Enem, para fãs de histórias em quadrinho, varia muito", conta. "O desafio é entrar no cotidiano do usuário. Tenho que fazer uma trilha sonora para aquele momento da pessoa", explica. Ele chegou à empresa após passagens pela rede social My Space e pelo iTunes, da Apple. Como único editor de listas no país, Telloli diz ganhar bem, mas não revela o salário. "Tenho liberdade para trabalhar em casa ou no escritório, mas fora isso é um emprego normal", diz. "As pessoas se surpreendem ao saber que há uma pessoa que faz as listas, mas somos já 30 no mundo."

MARCOS AZZI, 42

Paulo Troya/Folhapress
Marcos Azzi, 42, vendeu sua corretora de seguros e abriu uma ONG para financiar projetos sociais
Marcos Azzi, 42, vendeu sua corretora de seguros e abriu uma ONG para financiar projetos sociais

Aos 36 anos, Marcos Azzi enfrentava um dilema: não sabia o que fazer da vida. "Vendi minha corretora para um banco suíço e tinha dinheiro para nunca mais ter de trabalhar", diz. "Não ia me aposentar, mas não queria criar um novo negócio ou voltar para o mercado financeiro". A decisão foi abrir, em 2009, o instituto que leva seu sobrenome e atua financiando projetos sociais. "Eu tinha os recursos para isso. Muita gente não vai atrás do sonho porque precisa do dinheiro para pagar as contas". "Nunca me arrependi de ter saído dos negócios, mas as vezes me pergunto se escolhi o modelo certo para o instituto", afirma. Segundo ele, atuar com filantropia no Brasil é mais missão de vida que profissão. "Eu recebo 20 'nãos' para conseguir um 'sim'. É preciso ter muita vontade, é missionário."

ALEXANDRE MATTOS, 39

Rubens Cavallari - 7.jan.2015/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL. 07-01-2015. 12h41min26s. Reapresentação do Palmeiras no CT da Barra Funda. Aprtesentação de Alexandre Mattos, novo diretor de futebol do time. (foto: Rubens Cavallari/Folhapress, VENCER, *****EDIÇÃO NORMAL******). ***EXCLUSIVO AGORA***EMBARGADA PARA VEICULOS ON LINE***UOL E FOLHA.COM E FOLHAPRESS CONSULTAR FOTOGRAFIA DO AGORA SÃO PAULO***f: 3224-2169, 3224-3342. *filename:CAVA9735.JPG* ORG XMIT: CAVA9735.JPG
Alexandre Mattos, visto como estrela da sua profissão, durante sua apresentação como diretor do Palmeiras, em janeiro deste ano

Diretor do departamento de futebol do Palmeiras, Alexandre Mattos, bicampeão brasileiro com o Cruzeiro (2013-2014), não viveu sempre nos holofotes. No início da carreira, abandonou uma pequena rede de academias de ginástica que administrava para trabalhar de graça para América-MG. Essa foi sua estratégia para ganhar espaço na profissão -mesmo já sendo formado em Educação Física, com MBA em gestão do esporte. "Viajei muitas horas em ônibus em condições ruins quando o América-MG disputava as séries C e D do Brasileiro", relembra-se o dirigente. Hoje, Mattos é visto como estrela na profissão. O diretor e o Palmeiras não revelam o valor, mas a Folha apurou que ele recebe cerca de R$ 90 mil mensais para comandar o futebol do clube alviverde. Em um mercado visto como semi-amador em vários momentos, a despeito das altas cifras que movimenta, Mattos se destaca por entender sua função como uma carreira como outra qualquer. Tanto é assim que o executivo aceitou deixar Minas Gerais, onde era idolatrado e transitava confortavelmente, para trabalhar no futebol paulista, mais competitivo e mais visado. Seu objetivo, declarado, é comandar um dia a CBF, entidade que rege o futebol nacional. Contudo, apesar da visão profissional e do plano de carreira, Mattos reconhece que trabalhar com algo que mexe com a emoção de tanta gente é um prazer extra, apesar das dificuldades. O futebol é uma paixão, e fazer parte deste mundo é muito bom. Mas a rotina é desgastante, sem férias nem fim de semana", diz. "Você fica muito exposto, as pessoas xingam e a família sofre. Mas faço o que amo", afirma Mattos.

SIDNEY TELLES, 47

Divulgação
Sidney Telles, 47, mestre-cervejeiro da Brasil Kirin
Sidney Telles, 47, mestre-cervejeiro da Brasil Kirin, tem por obrigação tomar cerveja todos os dias

Esse funcionário da Brasil-Kirin não passa um dia sem tomar cerveja. "Minha mulher brinca que é a única a ter um marido que bebe todo dia, sem ter o direito de se queixar", diz. Químico de formação, foi um dos primeiros mestres cervejeiros no país, formado na cidade fluminense de Vassouras, em 1994. Para um apreciador da bebida, a ocupação parece uma grande festa. Mas não é. Há a parte burocrática do escritório, também. "É uma profissão bem remunerada, com salário inicial de R$ 4 mil, mas é preciso estudar muito, e gostar de cerveja", diz. "Assim como o futebol, a cerveja é uma paixão mundial. Há, por isso, uma carga grande de responsabilidade na minha função", diz. Recentemente, a equipe comandada por Telles pode comemorar o equivalente a uma conquista de campeonato. A Baden Baden Witbier, cerveja do grupo em que Telles trabalha, foi escolhida como a melhor cerveja do mundo pelo International Beer Challenge 2015, concurso realizado em Londres, no qual competiu com mais de 630 cervejas de 30 países.

LUISA GEISLER, 24

Divulgação
A escritora Luisa Gleiser, 24, em sua casa
A escritora Luisa Gleiser, 24, em sua casa. Autora premiada, ela imaginava que a literatura seria uma ocupação paralela

Faz pouco tempo que a recém-formada em relações internacionais passou a preencher "escritora" no campo "profissão" de formulários, apesar dos três livros publicados. "Até o ano passado, eu colocava estudante", diz a autora de "Luzes de emergência se acenderão automaticamente", (2014) pelo selo Alfaguara, da editora Objetiva. Luisa, que iniciou, mas não concluiu, a faculdade de letras, achava que a literatura seria algo paralelo em sua vida. "Soava irreal, como ser astronauta", conta ela que, desde menina, fazia livros com papel sulfite e grampeador, e os vendia para o pai, na cidade de Canoas (RS), onde nasceu. Logo aos 19 anos, porém, ela teve uma pequena amostra de que a literatura poderia se converter em algo maior na sua vida. Em 2010, ganhou o Prêmio Sesc na categoria conto, por seu livro de estreia "Contos de Mentira". "Eu fazia um curso de redação literária e inscrevi meu livro por sugestão de amigos, sem pretensão. Acabei vencendo, e isso me abriu portas", conta ela. Com a mesma obra, foi finalista do Prêmio Jabuti. No ano seguinte, com "Quiçá", voltou a ser premiada pelo Sesc, desta vez como melhor romance. Não é à toa que ela sugere os concursos e editais como forma de se iniciar na profissão. Na visão dela, porém, foi a menção de seu nome na renomada revista literária "Granta", na antologia "Os melhores jovens escritores brasileiros", de 2012, o que deu respeitabilidade a seu nome como escritora. Hoje, Luisa vive da escrita, mas não só de projetos autorais. "Participo de antologias e e faço traduções também", diz.

RENATO CALEFFI, 41

Paulo Troya/Folhapress
Renato Caleffi, 51, fez direito por pressão familiar, mas decidiu seguir seu sonho e se tornar chef
Renato Caleffi, 51, fez direito por pressão familiar, mas decidiu seguir seu sonho e se tornar chef

Chef e sócio do Le Manjue Organique (na Vila Nova Conceição, em São Paulo), Renato Caleffi aprendeu a cozinhar ainda criança com a avó, em Piraju, no interior de São Paulo. Mas, na hora de escolher a faculdade, optou pelo direito após pressão familiar. "Meus primos tiravam sarro de mim. 'Onde já se viu homem fazendo comida?', diziam." No final do curso, porém, reuniu a família e e avisou que iria atrás do sonho de virar chef, uma das profissões mais felizes segundo o site americano CareerBliss. "Decidi que viraria chef, mesmo que isso inicialmente significasse dar um passo atrás", afirma. Caleffi então se matriculou na primeira turma de gastronomia da Anhembi Morumbi. "Sofri preconceito familiar, objeções, mas segui em frente, e estou realizado."

TARCISIO MESQUITA, 56

Paulo Troya/Folhapress
Tarcisio Mesquita teve medo de contar aos pais que queria ser padre; hoje se diz realizado
Tarcisio Mesquita teve medo de contar aos pais que queria ser padre; hoje se diz realizado

Paulistano da Vila Formosa, Tarcisio Mesquita celebra 30 anos de sua ordenação este ano. Não que serviço religioso seja "carreira" no sentido comum, mas, segundo pesquisa da Universidade de Chicago (EUA), clérigos são os profissionais mais felizes do mundo. "Como servimos a população, somos muito queridos e isso traz satisfação", concorda Mesquita. Ao escolher seu rumo, aos 14 anos, teve medo de contar para a família. "Era acanhado, tinha vergonha. Então esperei meus pais irem dormir para bater na porta e contar". Hoje, o padre recebe até cinco salários mínimos por mês, dependendo da arrecadação da paróquia. "Acho muito até, a igreja já dá casa, comida. Quem mais mora e trabalha em São Paulo sem sair de casa?"

ROBSON JASSA, 36

Divulgação
Robson Jassa, 36, cabeleireiro e filho de Jassa, cabeleireiro do apresentador Silvio Santos
Robson Jassa, 36, cabeleireiro e filho de Jassa, cabeleireiro do apresentador Silvio Santos

O sobrenome famoso do pai, cabeleireiro de Silvio Santos, não pesa, diz ele. "Tenho outro estilo e já desenvolvi uma clientela própria", afirma. Desde garoto, o salão do pai foi uma extensão de sua casa. "Comecei como office-boy, aos 16", diz. "Em casa, cortes de cabelo e assuntos do tipo sempre foram recorrentes, eu sempre gostei de falar sobre isso com meu pai", diz. Jassa filho fez faculdade de direito, mas a tesoura o seduziu. "Mesmo quando fui estudar direito, meu objetivo era ser advogado para trabalhar na parte administrativa do salão, organizar melhor as coisas", diz. Além disso, Jassa via no direito um risco que não queria correr. "O cabeleireiro sempre faz bem aos outros, deixa as pessoas mais bonitas, mexe com a autoestima delas. Como advogado, eu poderia fazer mal a alguém", filosofa. Ao decidir que seguiria os passos do pai famoso, ele fez cursos nos Estados Unidos e na Europa. E, além da preparação técnica, ele afirma que ser cabeleireiro demanda esforço físico. "São várias horas de pé", diz. Mas o desgaste não deve ser tanto assim. Em pesquisa com profissionais da área, segundo o site de vagas dos EUA CareerCast, a profissão de cabeleireiro foi considerada a menos estressante do mundo.


Endereço da página: