Folha de S. Paulo


Alunos e professores da PUC protestam por veto à Cátedra Foucault

Michel Foucault, gay e anticlerical, será queimado na fogueira da Inquisição na próxima semana. Não será o verdadeiro Foucault, claro, já que o filósofo francês morreu de Aids em 1984. E não será a Inquisição da Idade Média.

Mas o boneco que arderá em chamas na frente da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo será o símbolo de uma disputa que opõe líderes da Igreja Católica e pesquisadores da obra de um dos mais importantes pensadores franceses contemporâneos.

A encenação fará parte de uma série de eventos para pedir a criação na universidade da Cátedra Foucault e a filosofia do presente -um centro internacional de estudo e pesquisa sobre a obra do francês.

A criação da cátedra começou a ser negociada em 2011, entre pesquisadores da Faculdade de Filosofia da PUC e centros acadêmicos franceses. O Consulado-Geral da França em São Paulo ajudou nas tratativas.

Nove renomadas instituições estrangeiras chancelaram a PUC como centro de excelência em estudos sobre o filósofo francês.

Neste ano, porém, veio a reviravolta. O Conselho Superior da Fundação São Paulo, mantenedora da PUC, resolveu vetar a criação da cátedra com o argumento de que esse tipo de instituto é uma homenagem e deve ser dedicado a personalidades que tenham afinidade com o pensamento católico, o que não é o caso de Foucault, célebre crítico da igreja.

O conselho é composto pelo arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, cinco bispos e a reitora da PUC, Anna Maria Marques Cintra.

Os pesquisadores entraram com recurso contra a decisão, que será analisado pelo mesmo Conselho Superior que vetou a cátedra. Ainda não há data para a resposta.

Sem a cátedra, fica a dúvida sobre o destino de um vasto material de pesquisa enviado ao Brasil pelo Collège de France.

Em 2012, a PUC recebeu arquivos de áudio de cursos ministrados por Foucault entre os anos de 1974 e 1984. A contrapartida era a criação da Cátedra Foucault.

"Pensamos na alternativa de doar o material para a Biblioteca Municipal Mário de Andrade", diz Jonnefer Barbosa, coordenador do curso de filosofia da PUC.

O prefeito Fernando Haddad (PT), que é doutor em filosofia e propaga ser admirador da obra de Michel Foucault, disse, por meio de sua assessoria, que "se houver realmente a proposta de envio do material, a Biblioteca Mário de Andrade terá o prazer de recebê-lo e disponibilizá-lo para pesquisa".

A quebra do acordo também pode interromper uma parceria que permite que pesquisadores brasileiros acessem material exclusivo sobre Foucault em centros de estudos situados na França.

O professor de filosofia na pós-graduação da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Alessandro Francisco, faz doutorado na PUC em regime de cotutela com a Université Paris 8, fundada pelo próprio Foucault.

Graças à relação entre as universidades, pôde explorar escritos dos anos de 1953 a 1955 das primeiras aulas do iniciante professor Foucault.

"Sem a contrapartida da cátedra, provavelmente outros brasileiros não terão esse tipo de acesso", afirma Francisco. Não criar a cátedra significa também perder a possibilidade de receber professores estrangeiros, sem
custo para a PUC, afirma ele.

Ernesto Rodrigues/Folhapress
Apoiadores da criação da Cátedra Foucault com máscaras do filosófo francês; abaixo, placa em homenagem ao pensador, que já foi removida
Apoiadores da criação da Cátedra Foucault com máscaras do filosófo francês

O grupo de alunos, professores e pesquisadores que luta pela criação da cátedra recebeu apoio de estudiosos estrangeiros.

Guillaume le Blanc, professor de filosofia na Université Paris 12, enviou mensagem dizendo que a decisão de vetar a criação da cátedra "revela a força do obscurantismo". "Demonstra que a função da crítica não é considerada pertencente de pleno direito a uma universidade."

O diretor do Departamento de Filosofia da Université Paris 8, Patrice Vermeren, também escreveu um texto de apoio à cátedra.

O grupo defensor da cátedra enviou um documento pedindo apoio do ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, que é filósofo e estudioso de Foucault.

A Folha procurou o ministro, mas ele respondeu que não irá comentar o assunto.

UNIVERSIDADE

O sociólogo Francisco Borba, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC, não vê prejuízos ao ensino e à pesquisa com o veto.

Para ele, as cátedras "não são as únicas e podem nem ser as mais adequadas estruturas para desenvolvimento de linhas de pesquisas".

"As cátedras são muito mais para você homenagear do que para estudar alguém. Há outras figuras para financiamento de pesquisa e avaliação científica, como centros de excelência, grupos de pesquisa e núcleos interdisciplinares."

A reitora da PUC, Anna Maria Marques Cintra, e o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, disseram que não vão se manifestar antes da decisão do recurso impetrado no Conselho Superior.


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