Folha de S. Paulo


Cresce a oferta de cursos em que o aluno elabora o próprio currículo

Numa mesma sala de aula, um quer ser engenheiro, outro quer ser matemático, e um terceiro ainda nem pensou nisso. Todos estão na universidade, mas ainda não precisaram escolher a profissão.

No exemplo acima de ensino integrado, retirado do curso de ciência e tecnologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia), a opção pela carreira só é feita depois de uma primeira etapa de formação, quando o aluno já teve contato com diferentes áreas do conhecimento. A oferta desse tipo de graduação, que pode ser um bacharelado ou uma licenciatura interdisciplinar, está crescendo.

Em 2006, a então recém-criada UFABC (Universidade Federal do ABC) era a única com um curso do gênero. Hoje, ao menos 21 federais oferecem a modalidade.

"É um primeiro passo para o Brasil se alinhar à formação que sempre foi difundida no exterior", afirma o físico Leandro Tessler, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Yuri Machado, 23, que estuda na UFABC, diz que sempre quis ser engenheiro, mas tinha dúvidas sobre a especialidade. "Montei a grade com matérias de elétrica, aeroespacial e mecânica e, após três anos de aula, escolhi engenharia de automação."

Fabio Braga/Folhapress
Yuri Machado, aluno de engenharia de automação, em laboratório da Universidade Federal do ABC, em Santo André
Yuri Machado, aluno de engenharia de automação, em laboratório da Universidade Federal do ABC

Riviane de Almeida, 33, aluna da UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia), diz que a necessidade de escolher a carreira antes de pisar em uma faculdade, acabou atrapalhando sua vida. Nos últimos 15 anos, testou seis cursos, de economia a engenharia de alimentos, mas não concluiu nenhum.

"Agora, faço humanidades e, com essa possibilidade de transitar por várias áreas, decidi ser advogada", diz.

Samuel Cardoso, 20, iniciou sua formação em letras e literatura em Santarém (PA) e deu sequência ao curso em Portugal. "Como a grade do bacharelado interdisciplinar é móvel, vou aproveitar meus estudos sem precisar refazer as disciplinas no Brasil", diz.

Em São José dos Campos (SP), Paulo Burke, 23, concluiu o primeiro ciclo do curso em ciência e tecnologia na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e, em vez de se especializar já na graduação, iniciou um mestrado. "É outra possibilidade."

ADAPTAÇÃO

Quem cursa uma graduação interdisciplinar pode montar o próprio currículo. Terá de cumprir uma carga horária de disciplinas obrigatórias e escolherá as demais. Na Unifesp, o cardápio do curso em ciência e tecnologia traz sete matérias obrigatórias e 200 optativas.

"Esse aluno relaciona de forma mais rápida as disciplinas porque passa por uma 'desaprendizagem' do jeito tradicional de estudar", diz Luciane Capelo, coordenadora do curso na instituição.

"Percebo, porém, uma evasão maior na primeira etapa de formação. Muitos alunos ingressam no curso e não se adaptam a ele", completa.

Na Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), todos os que entram passam por um curso de formação interdisciplinar. "É uma forma de inserir os alunos em um mundo cada vez mais transversal", afirma o coordenador, Roberto Paiva.

A Unicamp usa o mesmo método, o Profis (Programa de Formação Interdisciplinar) para inserir alunos de escolas públicas e de baixa renda em seus quadros. Letícia Corrêa, 18, tem o desafio de, ao final de dois anos, obter uma média que permita a ela entrar em ciências sociais ou geografia na Unicamp.

"Apesar da competição por vagas, gerada por esse tipo de curso, ganhamos uma formação e a chance de entrar na universidade", diz. O programa distribui 120 vagas anuais entre todos os cursos.

Segundo o reitor da UFSB, Naomar Almeida Filho, que é especialista em graduação interdisciplinar, esse sistema de aprendizagem "torna a escolha mais ajustada às aptidões dos alunos".

"Hoje, um engenheiro que vá construir prédios precisa ter base social e ambiental. Um matemático precisa contextualizar os números com o cotidiano. Tudo está conectado", afirma Paiva.

Para Heitor Peixoto, especialista em recrutamento, o mercado não diferencia o profissional apenas pela formação. Mas ele deve usar a base educacional que tem "para melhorar seus resultados na empresa", diz.

Universitários ouvidos pela Folha dizem que parte dos professores tem resistência ao modelo interdisciplinar.

"A proposta é que o curso seja integrado, mas eles não foram ensinados assim e acabam tendo dificuldades", afirma Paulo Burke. "Temos muito ainda a avançar", finaliza Paiva.

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MULTIFORMAÇÃO
Universidades federais com bacharelados e licenciaturas interdisciplinares

SUDESTE

UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora)
Estado: Minas Gerais
Cursos: artes e design, ciências humanas e ciências exatas
Vagas: 558
Sisu no meio do ano: Não

UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri)
Estado: Minas Gerais
Cursos: ciência e tecnologia, humanidades e agrárias
Vagas: 830
Sisu no meio do ano: Sim

UFABC (Universidade Federal do ABC)
Estado: São Paulo
Cursos: ciência e tecnologia, ciências e humanidades
Vagas: 1.960
Sisu no meio do ano: Não

Unifal (Universidade Federal de Alfenas)
Estado: Minas Gerais
Curso: ciência e tecnologia e ciência e economia
Vagas: 282
Sisu no meio do ano: Sim

UFSJ (Universidade Federal de São João Del-Rei)
Estado: Minas Gerais
Curso: biossistemas
Vagas: 40
Sisu no meio do ano: Sim

Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)
Estado: São Paulo
Curso: ciência do mar e ciência e tecnologia
Vagas: 500
Sisu no meio do ano: Não

*

SUL

Unipampa (Universidade Federal do Pampa)
Estado: Rio Grande do Sul
Curso: ciência e tecnologia
Vagas: 150
Sisu no meio do ano: Não

FURG (Fundação Universidade Federal do Rio Grande)
Estado: Rio Grande do Sul
Curso: ciências exatas
Vagas: 60
Sisu no meio do ano: Não

UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul)
Estado: Rio Grande do Sul
Cursos: educação no campo
Vagas: 300
Sisu no meio do ano: Não

UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)
Estado: Santa Catarina
Curso: mobilidade
Vagas: 60
Sisu no meio do ano: Em discussão

UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná)
Estado: Paraná
Curso: educação no campo
Vagas: 60
Sisu no meio do ano: Não

*

NORTE

UFPA (Universidade Federal do Pará)
Estado: Pará
Curso: educação em ciências, matemática e linguagens e etnodesenvolvimento
Vagas: 113
Sisu no meio do ano: Não

Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará)
Estado: Pará
Cursos: ciência e tecnologia, ciência e tecnologia das águas, ciência da terra, ciências agrárias, saúde e ciências biológicas
Vagas: 553
Sisu no meio do ano: Não

*

NORDESTE

UFBA (Universidade Federal da Bahia)
Estado: Bahia
Curso: artes, humanidades, saúde, ciência e tecnologia
Vagas: 1.300
Sisu no meio do ano: Não

UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia)
Estado: Bahia
Curso: ciências exatas, cultura, energia e saúde
Vagas: 325
Sisu no meio do ano: Sim

Ufersa (Universidade Federal Rural do Semi-Árido)
Estado: Rio Grande do Norte
Curso: ciência e tecnologia e tecnologia da informação
Vagas: 1.440
Sisu no meio do ano: Sim

UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia)
Estado: Bahia
Curso: saúde, humanidades, artes, ciências e licenciaturas
Vagas: 1.050
Sisu no meio do ano: Não

Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)
Estado: Bahia e Ceará
Curso: humanidades
Vagas: 160
Sisu no meio do ano: Sim

UFMA (Universidade Federal do Maranhão)
Estado: Maranhão
Curso: ciência e tecnologia
Vagas: 640
Sisu no meio do ano: Sim

UFCA (Universidade Federal do Cariri)
Estado: Ceará
Curso: ciências naturais
Vagas: 200
Sisu no meio do ano: Não

UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Estado: Rio Grande do Norte
Curso: ciência e tecnologia e tecnologia da informação
Vagas: 1.420
Sisu no meio do ano: Não

Fonte: MEC e universidades


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