Folha de S. Paulo


Jovem do sertão da PB realiza sonho de estudar em universidade nos EUA

Escolher a universidade é tarefa difícil para os estudantes, mas não foi assim para o paraibano Matheus Augusto Silva, 22. Nascido no sertão, em uma família de pescadores numa cidade de 17 mil habitantes, ele tinha uma certeza: iria estudar nos Estados Unidos.

Hoje, faz economia e engenharia química simultaneamente na renomada WPI (Worcester Polytechnic Institute), perto de Boston, nos EUA.

Emilia Konert/Divulgação
Matheus Augusto Silva, que é aluno de engenharia e economia nos EUA
Matheus Augusto Silva, que é aluno de engenharia e economia nos EUA

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Depoimento...

Tudo aqui nos Estados Unidos é muito diferente de onde eu vim. Na verdade, eu nem sabia que existia no mundo um lugar como o que vivo hoje. Mas eu sabia que eu queria estudar em um lugar assim.

Nasci em Boqueirão, no sertão da Paraíba, uma cidade bem pequena na região metropolitana de Campina Grande. Lá, estudei em uma escola pública da cidade. Hoje, faço economia e engenharia química no WPI (Worcester Polytechnic Institute), nos EUA, e já tenho uma espécie de diploma intermediário –o chamado "minor"– em bioquímica e em alemão.

Sempre gostei muito de química. Aos dez anos, tive de fazer um trabalho na minha escola e acabei estudando um açude da cidade. Vi que a matéria orgânica e inorgânica se acumulava no açude, ocupando um espaço que poderia ser da água. Sua remoção aumentaria consideravelmente o volume do reservatório. Acabou que fui apresentar o projeto que desenvolvi na escola para os vereadores e o manejo do açude foi modificado por causa do meu trabalho.

Depois, mais velho, no 1º ano do ensino médio, acabei desenvolvendo, também para um trabalho da escola, um sabão com base de tamarindo. É um fruto muito comum na Paraíba, tem em qualquer esquina. E ele tem propriedades detergentes. Desenvolvi o sabão e até hoje tem gente produzindo.

Eu gosto dessa coisa de ver uma oportunidade, uma solução e sair fazendo. Havia tamarindo, a gente precisava de sabão, por que não fazer o sabão com o tamarindo? Eu gosto de empreender e os Estados Unidos são um país perfeito para isso. Eu já tinha lido sobre como as gigantes de tecnologias tinham sido fundadas aqui. Só que eu nunca tinha conhecido ninguém que tivesse estudado fora; ninguém da minha família havia chegado à universidade.

Sou descendente de uma família de pescadores, meu pai tem um pequeno comércio onde vende materiais de pesca e de construção. Em Boqueirão, meu avô é conhecido como "João dos covos" (covos é um material de pesca). Meu pai, Carlos de João dos covos. Eu sou o Matheus de Carlos de João dos covos! A pesca ainda está bem presente na família. Mas eu resolvi seguir outro rumo.

Quando tinha 11 anos, comecei a pesquisar sobre ensino superior e achei, em uma revista, um ranking internacional de universidades. Vi que sete das dez melhores instituições de ensino do mundo estavam nos Estados Unidos.

Aí eu pensei: se naquele país estão as melhores do mundo, então é pra lá que eu vou!

O problema é que na época eu falava pouco inglês. Consegui me matricular em um curso gratuito, de extensão, na Universidade Federal de Campina Grande e viajava para fazer as aulas. Aprendi rápido o inglês, acho que tenho facilidade com línguas. Hoje também falo francês, espanhol, alemão e mandarim.

Com inglês ficou mais fácil fazer as provas e entrar em uma universidade dos EUA. O problema era como eu iria me manter. Aí, tive de me virar de novo. Consegui uma bolsa quase integral do WPI (Worcester Polytechnic Institute) e mais um recurso da Fundação Estudar, do Brasil. É o suficiente para me manter na graduação o curso todo.

Eu gosto de mexer nas coisas, descobrir as coisas. Lembro que uma vez meu pai comprou uma secretária eletrônica para a loja dele e eu comecei a mexer para ver como funcionava. Acabou que o aparelho gravou, sem querer, meu pai dizendo "Para de mexer, Matheus!" E eu respondia "É mexendo nas coisas que se aprende como elas funcionam, pai." Quem ligava na loja por muito tempo ouvia essa conversa (risos).

Eu mexo em tudo, fuço em tudo. Eu descobri sozinho como era o processo para ingressar em uma universidade norte-americana.

Também descobri que os EUA valorizam os estudantes que tiram um ano sabático entre o ensino médio e a universidade. Assim que fui aprovado, decidi fazer o mesmo. Pedi adiamento da matrícula e fui para a China para trabalhar e estudar mandarim.

Foi fantástico. Acabei virando representante comercial de uma empresa chinesa e viajava o mundo pela empresa. Eu tinha 19 anos. É uma cultura muito diferente. Sabia que na China você tem de pegar o cartão comercial das pessoas com as duas mãos? Se não fizer isso, é sinal de desrespeito.

Desde que me mudei para os EUA já fiz mais dois intercâmbios: no Canadá e na Alemanha. Aqui há muitas oportunidades internacionais.

Tem muito brasileiro aqui nos Estados Unidos na mesma situação que eu [em 2013, havia 10.868 brasileiros em universidades dos EUA, de acordo com governo daquele país]. Fiquei pensando que era preciso conectar essas pessoas para trocar informações e ideias para desenvolver o Brasil. Foi aí que criei a Brasa, sigla em inglês para "associação brasileira de estudantes [nos EUA]".

A ideia é unir os estudantes brasileiros nos EUA criando plataformas de impacto direto no nosso país. Já estamos em mais de 30 universidade americanas, temos mais de 600 membros e parcerias com empresas como BTG Pactual, McKinsey, AmBev e Heinz. Quanto mais ideias para melhorar o Brasil, melhor.

Eu quero voltar assim que me formar. No longo prazo, quero empreender, quero melhorar o país. Às vezes penso também em política, mas acho que vou acabar sendo empreendedor mesmo. O que me importa é construir algo que promovesse o desenvolvimento sustentável do Brasil.


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