Folha de S. Paulo


Uso de celular por adultos em classe irrita professores

A mania de usar o telefone celular em sala de aula pegou também entre adultos. O hábito antes adolescente de trocar mensagens, fazer fotos, vídeos e até ligações em horário letivo está irritando professores acostumados com uma conduta que consideravam mais madura dos alunos.

Em aulas de modelo vivo nu, o artista plástico e professor de desenho Paulo von Poser, 53, veta fotografias. Faz um "estacionamento" de telefones na entrada da sala.

"É uma solução bizarra, mas, depois que um aluno, não resistindo à tentação, quase apanhou da modelo, achei melhor garantir certa civilidade", conta.

"O máximo são alunos que tentam desenhar falando no celular pressionando-o entre o ombro e a orelha! Aviso na hora: torcicolo e desenho torto garantidos." É comum estudantes fotografarem monumentos na rua para desenhá-los com base na imagem do do celular, em vez de se basearem na observação direta.

Fabio Braga/Folhapress
Aluna usa smartphone durante aula em curso de escrita; mania pegou entre os adultos
Aluna usa smartphone durante aula em curso de escrita; mania pegou entre os adultos

O professor de história da Unicamp Leandro Karnal, 51, resolveu fazer o que chamou de "atividade educativa" na pós-graduação.

"Pela primeira vez na vida, deixei o celular ligado em sala. Didaticamente e teatralmente, passei a aula checando o aparelho e fingia interromper frases para atender ligações. Ao final, sorridente e prestes a dar uma lição, perguntei se haviam notado. Ninguém percebeu."

Professor há 32 anos, ele conta: "Acompanhei a lenta e inexorável marcha do celular. Provavelmente, quando as pessoas da minha geração morrerem, terminará a ideia de que celular incomoda."

Noemi Jaffe, 52, professora de literatura e escrita, acredita que, "de certa forma, é como se os adultos voltassem à adolescência, pois as redes sociais têm uma carga de infantilização e isso reduz a capacidade de concentração".

Em seu curso de escrita criativa, alunos interromperam a aula para avisar que um colega mandou um Whatsapp dizendo que não viria.

"Também usamos o celular para consultar dicionários, buscar bibliografias e autores. Só ajuda", opina o advogado Eduardo Muylaert, aluno de Jaffe. Se for preciso, ele resolve urgências do trabalho.

Muylaert tem por hábito postar fotos do curso nas redes sociais e os colegas comentam -tudo em tempo real. "Há uma urgência em tirar foto de tudo o que se passa na aula", constata Noemi.

Karnal relata que o toque "distrai e perturba". "Pior é quando toca e a pessoa conversa baixinho. Ou quando sai e atende na porta, fazendo da minha sala uma caixa de ressonância", lamenta.

CONECTADO

O empresário Bruno Rondani começou o doutorado em 2008, aos 27, quando tinha dois filhos e esperava o terceiro. Quatro anos depois, já com quatro filhos, defendeu sua tese e foi direto para a maternidade: nascia o quinto.

Foi inevitável assistir às aulas conectado. O combinado era que sua mulher só o acionaria em casos de urgência. Mas os filhos sempre mandavam mensagens e fotos. "Sou viciado no celular. Mas não acho que prejudicou meu desempenho."

Adriana Rossatti, 37, aluna de Noemi Jaffe, diz que o aparelho evita burburinhos em sala. "Quando a gente era criança, passava bilhetinho. A gente continua fazendo comentários como 'Fulano está nervoso hoje, não?', mas em silêncio pelo Whatsapp", diverte-se. Poser resigna-se: "Acredito que é inevitável. Logo mais teremos pranchetas tablets".


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