Folha de S. Paulo


Profissão quase extinta, sineiro tem alta de pedidos às vésperas da Páscoa

O som que vem do alto das catedrais passa praticamente despercebido no tumulto de grandes centros urbanos como Ribeirão Preto (313 km de São Paulo).

Mas quando o sino tocava nas antigas cidades coloniais, era mais que uma melodia agradável aos ouvidos.

Numa época em que telefone ou internet eram coisas distantes, as batidas do instrumento carregavam as principais notícias da cidade.

Os toques musicais informavam sobre o nascimento de uma criança, comunicava a morte de um fiel, convidava para as cerimônias religiosas e, claro, ajudavam a marcar as horas ao longo do dia.

Para manter essa tradição viva, as badaladas dos sinos nas cidades históricas de Minas Gerais foram declaradas Patrimônio Imaterial pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 2009.

Mas não é sempre assim no resto do país. Na Catedral de Ribeirão, a de São Sebastião, dois dos três sinos quebraram em janeiro e o som hoje sai com volume baixo. Com a profissão de sineiro quase extinta, o conserto atrasou.

O sineiro conhece o repertório dos toques musicais utilizados nas igrejas, como é o caso de José Donizetti da Silva, de Uberaba (MG).

Enerson Cleiton Nunes/Folhapress
José Donizetti da Silva é sineiro em Uberaba (MG) e está com a produção na capacidade máxima para a Páscoa
José Donizetti da Silva é sineiro em Uberaba (MG) e está com a produção na capacidade máxima para a Páscoa

Fluente na linguagem dos sinos, há 40 anos ele se dedica também à arte da confecção dos instrumentos de bronze na cidade mineira. E já treina o neto de dez anos para a atividade de sineiro.

O artesão faz parte de um grupo restrito no Brasil. Segundo trabalho desenvolvido pelo IPHAN em 2009, existem quatro fábricas de fundição de sinos em funcionamento no país.

No Triângulo Mineiro, Silva e a equipe já confeccionaram aproximadamente 2.000 sinos para várias igrejas brasileiras e exportaram peças para países do Mercosul.

Os sinos de Uberaba chegaram até o Vaticano, como presente da Igreja Católica do Brasil ao papa Paulo VI.

O ritmo é acelerado. A fábrica confecciona por ano, em média, 90 sinos de diversos tamanhos e notas musicais; 45% das encomendas são na Páscoa e no Natal.

PÁSCOA

No último mês, a oficina está trabalhando com capacidade máxima para atender a todos os pedidos da Páscoa.

Num processo totalmente manual, 11 sinos estão em fabricação para serem instalados antes do Sábado de Aleluia, no próximo dia 19.

"As igrejas católicas costumam inaugurar os novos instrumentos depois da Sexta-Feira da Paixão, para dissipar a tristeza da morte de Jesus e comemorar a ressurreição", conta o fabricante.

O padre Francisco Jaber, da Catedral de Ribeirão, tinha pressa em consertar os sinos para a Páscoa. Como não conseguiu vaga com Silva, mandou arrumá-los com um relojoeiro de São Simão.

A paixão por sinos enfraqueceu entre os padres católicos. Silva afirma que muitos sacerdotes desistiram da tradição por causa do custo e passaram a utilizar apenas o toque gravado.

Em compensação, o instrumento foi incorporado na arquitetura das igrejas de outros segmentos religiosos no Brasil. Da oficina em Uberaba, por exemplo, já saíram peças para templos luteranos, ortodoxos e até adventistas. "Essas novas religiões fortaleceram os negócios."


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