Folha de S. Paulo


Manifestações de junho são reflexo da inflação em alta, afirma economista

A economia brasileira deve registrar desempenho melhor em 2014, impulsionada pela retomada do crescimento dos Estados Unidos, China, Japão e países da Europa.

A avaliação é do presidente do BRP (Banco Ribeirão Preto), Nelson Rocha Augusto, 50. Segundo ele, o país, mesmo que tardiamente, também está adotando medidas para sua recuperação.

Economista formado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ele afirmou que a inflação é o maior problema econômico atual do Brasil e que isso afugentou investimentos no país.

Secretário de Planejamento no segundo governo de Antonio Palocci (PT) em Ribeirão (2001-2002) e considerado homem de confiança do ex-ministro, Augusto critica as gestões petistas na Presidência, apesar de ter feito parte de uma delas.

Edson Silva/Folhapress/
O presidente do BRP (Banco Ribeirão Preto), Nelson Rocha Augusto, na sede da instituição financeira, no interior paulista
O presidente do BRP (Banco Ribeirão Preto), Nelson Rocha Augusto, na sede da instituição financeira, no interior paulista

Augusto foi presidente da administradora de recursos do BB (Banco do Brasil) quando Palocci era ministro da Fazenda no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).

"Ribeirão é o reflexo da economia hoje. Falta infraestrutura, gastou-se muito e hoje falta investimento."

Para ele, a culpa disso não é só do governo, mas também da população, que não se organiza para fazer diferente. Ele elogiou, no entanto, os protestos de junho na cidade, dos quais disse ter participado.

Augusto falou à Folha na última terça-feira na (27) na sede do BRP, na zona sul de Ribeirão Preto (313 km de São Paulo).

Ele aguarda a liberação do Banco Central sobre a venda do BRP para o grupo Vinci Partners. Veja os principais trechos da entrevista.

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Folha - Qual o principal problema da economia hoje?
Nelson Rocha Augusto - O maior problema macroeconômico do Brasil hoje é a inflação. O país está rodando com uma inflação bem próximo ao teto da meta [de 6,5%]. Não dá para andar numa situação como essa. Não é só uma questão de meta, das relações de mercado.

O resto do mundo anda com meta abaixo de dois [por cento] ou zero. Até a China, que tinha inflação alta, está próximo de dois [por cento]. Quando anda à velocidade de seis [por cento], é três vezes acima da inflação registrada em outros países. Para um país que tem história inflacionária, isso não é permitido.

Mas o que aconteceu?
O país perdeu a mão com o controle da inflação. Isso foi no último mandato do Lula. Foram tomadas algumas medidas de incentivo à economia, por causa da crise econômica e financeira de 2008, mas quando voltou à normalidade, esqueceram de retroceder. Tem de endurecer o jogo. Do contrário, a inflação corrói o poder de compra do trabalhador.

Isso foi um dos fatores que levou a galera para as [manifestações nas] ruas em junho passado. O recado foi claro: "eu não aceito pagar mais pelo ônibus, eu não aceito corroer meu poder de compra com a inflação".

Quais os reflexos disso para o desenvolvimento brasileiro?
As concessões, por exemplo. Elas têm, no mínimo, 25 anos, e se estamos em um país onde a inflação é um problema crônico, eu [investidor] tenho de colocar isso no cálculo, um coeficiente de segurança. É o custo do Brasil. Então eu tenho que puxar a minha taxa de retorno para cima.

E para garantir os recursos?
Ficou evidente para nós que uma taxa de juros a 7,5% ao ano, com a inflação correndo a 6%, não garantiu que o investimento crescesse. Ficou provado agora que essa questão de que a taxa de juros é fator determinante para o investimento não é verdadeira.

O investimento precisa de confiança. Como a inflação brasileira escapou da mão, o país perdeu a confiança. Só que essa perda de confiança não é perene. O governo pode recuperar isso.

Como?
O governo começou a fazer concessões, passou a subir a taxa de juros, flexibilizou o câmbio, que estava achatado em dois [proporção de US$ 1 para R$ 2]...

É claro que, catapultado por fenômenos externos, o real se desvalorizou mais em relação a outras moedas porque o grau de confiança está baixo.

Mas a economia brasileira não vai mal. Ela vai crescer dois e alguma coisa [por cento] neste ano. A presidente Dilma Rousseff começa a fazer gestão com um mix de medidas confiantes. Com isso, pode resgatar a confiança e ter um 2014 melhor, sobretudo empurrado pelo cenário internacional melhor.

Quais os impactos da economia em Ribeirão Preto?
Ribeirão é o reflexo da economia hoje. Falta infraestrutura, gastou-se muito e hoje faltam recursos para investimentos. A culpa é do governo, mas também da população.

A cidade não tem uma política de desenvolvimento econômico. A sociedade ribeirão-pretana não se organizou para isso, então está colhendo o que plantou.

Quais são os exemplos?
Estamos entalados com esse aeroporto [Leite Lopes]. Isso é falta de infraestrutura, é falta de investimento. Não dá, para uma cidade com 650 mil habitantes, não ter um aeroporto internacional.

Copenhague (Dinamarca) tem a metade da população de Ribeirão Preto e tem tudo lá. Isso aqui [Ribeirão Preto] é grande e precisa ser visto assim. Precisa ser dotado de infraestrutura. O poder público não faz as coisas sozinho. A liderança empresarial precisa se reunir.

Como o sr. se posiciona em relação à economia e à política?
Tenho relacionamento político e econômico com todo mundo. Sou uma coisa meio plural.

A economia é uma ciência humana, não é uma ciência exata. Não sou filiado a nenhum partido e não me posiciono.

Mas tenho vontade que as coisas mudem bastante. Participei das manifestações em junho e achei [os protestos] muito, muito, muito importantes para Ribeirão Preto.

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RAIO-X: NELSON ROCHA AUGUSTO, 50

Vida
- Casado, pai de três filhos

Formação
- Cursou economia (graduação) pela Unicamp -turma de 1985
- Fez mestrado na mesma área pela PUC-SP

Obra
- Foi economista-chefe do Banco Francês Brasileiro
- Participou da equipe que criou o Banco Votorantim
- Foi secretário de Planejamento de Ribeirão Preto
- Foi presidente do BB (Banco do Brasil) DTVM
- É presidente do BRP (Banco Ribeirão Preto)


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