Folha de S. Paulo


Rituais fúnebres do século 19 resistem em comunidades do interior de SP

Os sinos da igreja tocam e o morador escalado para anunciar o fato pelas ruas é chamado. Quase todos --às vezes, todos-- os moradores se mobilizam e até o comércio fecha suas portas.

Em pleno século 21, ao menos 20 cidades da região de Ribeirão Preto (313 km de São Paulo) ainda mantêm rituais fúnebres que eram mais comuns no século 19. Alguns seguem à risca a prática como 200 anos atrás.

É o caso de Barretos, cidade conhecida pela tradicional festa do peão de boiadeiro que ainda usa o ritual do toque dos sinos para avisar que alguém morreu.

Para o filósofo e estudioso do assunto Amir Abdala, a badalada dos sinos anunciando uma morte e contemplação coletiva em torno do velório de pessoas comuns são marcas do século 19 que só sobrevivem em cidades menores ou de médio porte, como é o caso de Barretos.

Segundo ele, o ritmo das cidades grandes não permite que a morte se manifeste através desses ritos funerários. "A sociedade desenvolveu uma rejeição muito radical da ideia de morte e não suspende mais o cotidiano para se dedicar à tradição."

Edson Silva/Folhapress
Mural instalado em comércio no centro de Bebedouro com informativo de pessoas que morreram na cidade
Mural instalado em comércio no centro de Bebedouro com informativo de pessoas que morreram na cidade

A contemplação de quase toda a cidade na última homenagem ao morto ainda ocorre hoje em lugares como Aramina, Buritizal, Cássia dos Coqueiros e Ipuã.

PUBLICISTA DA MORTE

As tradições sofrem, no entanto, adaptações. Em Altinópolis, o publicista da morte --aquele anuncia os velórios-- é o anunciante de eventos Givanildo Gomes Ferreira, 36, que comunica pelo carro de som quem morreu.

O trabalho começou a ser feito há quase dez anos, quando ele estreou para anunciar a morte de Bassano Vaccarini (1914-2002), escultor italiano que adotou o município e a região. Não parou mais. "Quando passo anunciando, as pessoas param e escutam quem morreu."

Além do anúncio em carro de som, os alto-falantes das igrejas também são usados em alguns casos.

Apesar da internet, em Bebedouro, outra prática do passado persiste: cartazes com o nome do morto, horários do velório e do enterro são colocados em locais públicos. Só que lá são as funerárias que adotam a prática.

Suas placas são postas em portas de estabelecimentos comerciais do centro da cidade. "É um serviço essencial. Todo mundo para e lê", diz o aposentado Luiz Roberto dos Santos.

Também em respeito aos mortos os comerciantes das cidades de Colômbia, Cravinhos, Dumont, Cândido Rodrigues e Fernando Prestes fecham as portas dos estabelecimentos comerciais quando o cortejo passa.


Endereço da página:

Links no texto: