Folha de S. Paulo


Disputa indigesta por área de badalado restaurante agita esquina nobre de SP

O ponto é um dos melhores de São Paulo, na rua Oscar Freire, esquina com a alameda Casa Branca, e abriga o novo restaurante do badalado chef Salvatore Loi, que foi responsável pela cozinha do Fasano por quase 13 anos.

A história por trás do cardápio do Mondo, no entanto, é indigesta e envolve uma longa disputa entre dois senhores pela posse do imóvel, avaliado em R$ 4,2 milhões, na qual a palavra "golpe" é o ingrediente principal.

De um lado está o corretor de imóveis Luiz Carlos Russi, 74, que, embora não tenha gasto um único centavo para comprá-la, afirma ter direito sobre a casa de 200 m² com base na lei de usucapião.

Russi, que alugou o imóvel para o chef Loi, afirma ter ocupado o lugar por 15 anos de modo pacífico. "Nunca houve contestação por parte de eventuais proprietários ou de quem quer que fosse", disse o corretor à Justiça.

Do outro lado, está o empresário Paulo Szymonowics, 76, que em dezembro de 2012 assinou um contrato com a C.A.O. Construções e Administração de Obras se comprometendo a adquirir a propriedade em nove parcelas.

Pagou a primeira, de R$ 500 mil, mas nunca viu as chaves, e hoje, a partir de ação impetrada pela empresa C.A.O., tenta recuperar a posse na Justiça, sem sucesso. "Sou vítima de uma enorme falcatrua."

Onde fica oscar freire

USUCAPIÃO

O corretor Russi disse à Justiça, num primeiro momento, que, quando ingressou na edificação, "nos primórdios de 1998", ela estava "completamente abandonada" e que iniciou reformas para adequá-la ao exercício das suas atividades comercias.

À época, no entanto, funcionava ali um outro restaurante, o Limone, que em dezembro de 1997 era descrito pelo "Guia", da Folha, como local de "gostosa ambientação, lembrando um jardim".

Posteriormente, o corretor apresentou nova versão para o seu acesso à casa. À polícia, explicou que em 1998 ocupava uma sala no andar de cima do restaurante e que exercia a função de corretor e de administrador do aluguel do imóvel em nome da proprietária Maria Júlia Chioatero.

Disse também que continuou no local mesmo depois de Maria Júlia ir para a Itália, em meados de 2006/2007, e nunca mais aparecer. "Maria Júlia veio a falecer em 2008."

Maria Júlia, contudo, segundo atestado de óbito anexado ao processo, morreu bem antes da tal viagem à Itália, às 23h50 de 8 de novembro de 1999, no Hospital São José, em São Vicente. A causa foi um acidente vascular cerebral hemorrágico.

No processo em que pede a posse por usucapião, o corretor de imóveis apresentou também notas fiscais e testemunhos a fim de provar que ocupou o prédio por 15 anos.

Uma das notas era a de número 96 da M.R. Silva Construções, de Ribeirão Preto, referente a serviços de pintura feitos no sobrado.

Em 9 de novembro de 2016, no entanto, Moacir Rodrigues da Silva, proprietário da empresa, declarou que não trabalhou para o corretor de imóveis e que, a bem da verdade, nunca atuou na cidade de SP.

Disse também que a nota fora extraviada de seu talonário e que seria impossível a sua emissão na época do referido trabalho (2000) uma vez que o bloco fora impresso apenas em 2008.

O auxiliar de serviços gerais Wellington Ribeiro reforçou em setembro de 2013 a argumentação do corretor de imóveis, dizendo que todo dia ele recebia clientes na casa.

Mas, três anos depois, declarou que o depoimento prestado em juízo "não espelhava a verdade". Disse que, na época, usuário de drogas, estava em situação de extrema necessidade e que recebeu R$ 800 de um advogado do corretor para falar em seu favor.

"Wellington prestou depoimento de livre e espontânea vontade e jamais recebeu quantia alguma com essa finalidade", afirmou Carlos Ely Eluf, advogado do corretor, em petição à Justiça.

Disse ainda que a empresa C.A.O. Construções, "ao invés de produzir qualquer prova relativa à posse que alega ter sobre o imóvel, tenta descaracterizar com aleivosias e fatos inverídicos a vasta prova produzida" pelo corretor.

Assim como seu cliente, o advogado Eluf também usufrui de um imóvel por usucapião. Obteve na Justiça a posse definitiva de uma casa no Morro da Península, em Guarujá, em área de 460 m².

Pessoas que testemunharam em favor do advogado no processo de Guarujá também depuseram em favor do corretor de imóveis na ação da rua Oscar Freire.

PROCESSOS

"Não há controvérsia alguma, meu cliente ganhou o processo. O caso foi encerrado", afirmou Eluf em entrevista à Folha. "Essa é a história, o resto é especulação e invenção. Escreva as besteiras que quiser", disse.

O advogado refere-se ao processo no qual a empresa C.A.O. Construções pediu a reintegração da posse do imóvel à Justiça, sem sucesso –um recurso deve ser apresentado ao Superior Tribunal de Justiça. Há ainda a ação de usucapião, movida pelo corretor de imóveis, não julgada.

"No que diz respeito especificamente à posse, não resta dúvida que a construtora não conseguiu prová-la, muito embora as circunstâncias que teriam legitimado o ingresso do réu [o corretor] no imóvel e sua própria condição de permanência no local não sejam claras", escreveu o desembargador Alberto Gosson.

O advogado Eluf diz que o empresário Paulo Szmonowicz foi vítima de um golpe, sim, mas que não foi aplicado pelo seu cliente. "Ele comprou direitos advindos de uma escritura falsificada."

Eluf afirma que a pessoa que concedeu a escritura tinha morrido anos antes. "A empresa vendeu ar ao senhor Paulo, nunca teve a posse do imóvel", declarou.

"Não é verdade. Os herdeiros do imóvel na Itália ratificaram a venda e isso já foi reconhecido judicialmente", afirma Francisco Antônio Corasio Fagundes, sócio da C.A.O. Construções.

À margem de toda a confusão jurídica está o chef Salvatore Loi, que segue trabalhando normalmente em sua cozinha, no Mondo, servindo massas influenciadas, sobretudo, pela Sardenha, região da Itália onde nasceu. "Não fui a fundo na questão, mas não me preocupo. Aluguei porque tinha garantias de que tudo estava resolvido", afirma.


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