Folha de S. Paulo


Seca e redução de programas sociais no Brasil preocupam Nações Unidas

O aquecimento global e a redução de programas sociais, em um momento de crise econômica, já afetam gravemente famílias de pequenos produtores rurais no Nordeste do país, segundo o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).

A agência da ONU, voltada para redução da pobreza no meio rural, mantém oito projetos de apoio à agricultura familiar no Nordeste, principalmente no semiárido. Em parceria com Estados e governo federal, as ações atingem cerca de 350 mil famílias.

Segundo o FIDA, as mudanças climáticas têm agravado a pobreza na região, com uma estiagem que já dura ao menos seis anos. "Há um período extraordinariamente longo de seca, com chuvas muito concentradas em pouco tempo", diz o economista do FIDA Paolo Silveri, que acompanha os projetos no Brasil há três anos.

O FIDA alerta que a região está se tornando cada vez mais seca e é preciso "assegurar a presença humana", com tecnologias de convivência com o semiárido. "Temos observado um aumento da demanda, em todos os Estados em que trabalhamos no Nordeste, por projetos para lidar com a emergência hídrica", explica Silveri.

O FIDA defende que as famílias de agricultores precisam se adaptar às mudanças climáticas e, por isso, tem investido em barragens, cisternas e estações de tratamento.

"Abandonar o semiárido é declarar perdida a guerra contra a desertificação", diz.

Tecnologias e inovações podem ajudar a garantir a sobrevivência desses agricultores. "O acesso a sementes resistentes à seca vai ser crucial no semiárido, no Brasil e no mundo", afirma o presidente do FIDA, Gilbert F. Houngbo, que esteve em São Paulo para o Fórum Brasil África.

Ao mesmo tempo em que a demanda por projetos hídricos aumenta, programas federais premiados e considerados positivos pelo FIDA para o semiárido são reduzidos.

Jorge Araujo/Folhapress
Gilbert F. Houngbo, presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, em SP
Gilbert F. Houngbo, presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, em SP

O programa Cisternas, financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Social desde 2003, teve redução de cerca de 60% nos últimos anos. O valor previsto para o "apoio a tecnologias sociais de acesso à água" passou de R$ 643 milhões em 2014 para cerca de R$ 249 milhões em 2017.

Segundo a Articulação Semiárido Brasileiro, rede da sociedade civil que participa do Cisternas, o orçamento de 2018 prevê só R$ 20 milhões para o programa. Em setembro, o projeto ganhou o prêmio Future Policy Award, da ONU e do World Future Council, considerado um "Oscar de políticas públicas". "Claramente há uma redução de recursos para o programa. Espero que seja momentânea, até porque a economia já está dando sinais positivos", diz Silveri.

Da mesma forma, o FIDA lamenta a redução do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra produtos da agricultura familiar. O programa, considerado um exemplo, é replicado em países africanos com apoio da ONU e do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. "É um modelo que o Brasil está exportando", afirma Silveri.

O valor previsto para aquisição e distribuição de alimentos da agricultura familiar caiu de cerca de R$ 1,27 bilhão em 2014 para R$ 330 milhões em 2017.

"O programa facilitou o crescimento econômico de várias áreas do Nordeste. Ao mesmo tempo que criou mercado para cooperativas, também exigiu um nível mínimo de qualidade. Assim, obrigou produtores a melhorar a eficiência e seguir normas sanitárias. É muito positivo para produtores do semiárido, que agora estão sofrendo com menor disponibilidade do PAA", diz Silveri.

O economista afirma que o governo federal identificou irregularidades em programas sociais e, por isso, entende a necessidade de realizar um pente-fino entre beneficiários. No entanto, espera que, uma vez corrigidos os problemas, o programa volte a crescer.

OUTRO LADO

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Social disse que a meta de 1 milhão de cisternas foi atingida e, por isso, os recursos foram revistos. "Mesmo em meio às dificuldades econômicas que o país vem enfrentando graças a uma gestão desastrosa da política econômica do governo anterior, o MDS não tem deixado de operar e atender os pequenos agricultores, garantindo o andamento da produção. Ainda que o orçamento tenha sido contingenciado em 2017, o MDS continua atuando permanentemente para que nenhuma ação o programa sejam prejudicados ou interrompidos", disse o MDS, por meio de nota.


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