Folha de S. Paulo


Privatização do Anhembi ganha novos obstáculos e trava de novo na Câmara

A gestão João Doria (PSDB) sofreu uma derrota na Câmara Municipal nesta quinta-feira (23) e não conseguiu colocar o projeto de privatização do complexo do Anhembi e da SPTuris em segunda votação. Com isso, fica travada momentaneamente a venda do espaço, prevista pelo Executivo para ser a primeira a se concretizar no projeto de desestatização.

Os motivos para a não votação, segundo vereadores da própria base política de Doria, são dúvidas em relação a um artigo incluído pela prefeitura no projeto de lei, condicionando a privatização à aprovação de outro projeto de lei que trataria especificamente do zoneamento da região; e a incerteza jurídica gerada pelo aparecimento de uma pessoa que diz ser proprietária da área do Anhembi e que disputa com a prefeitura, na Justiça, a posse do terreno.

Três sessões foram derrubadas por falta de quórum (mínimo de 28 vereadores presentes) e as demais foram desconvocadas pelo presidente da Câmara, Milton Leite (DEM). Atualmente, apenas 11 dos 55 vereadores são de oposição, o que significa que Doria não contou com apoio de vereadores de sua base nesta quinta (23).

A prefeitura apresentou um projeto de lei substitutivo que estabelece que a alienação do Anhembi só acontecerá depois da aprovação de outro projeto de lei, a ser elaborado futuramente, tratando dos índices e parâmetros de uso e ocupação do solo do espaço. Entre outros temas, abordaria a possibilidade de alterar o potencial construtivo da área. Atualmente, ele está fixado em 1 milhão de metros quadrados para um terreno de 400 mil metros quadrados. Presidente da Câmara, Milton Leite defende o aumento desse potencial, possibilitando a construção de torres mais altas e gerando mais recursos com a privatização.

"O ente público, para se desfazer de uma propriedade, tem que fazê-lo pelo valor máximo. Isso para todos os casos. Não justifica vender um terreno pelo potencial construtivo dele em um milhão se o zoneamento permite que sejam dois milhões. Vou abrir mão de R$ 1,5 bilhão? Qual é a razão? O estranho é não vender pelo máximo", diz.

O substitutivo não foi bem recebido por boa parte dos vereadores.

"O projeto não diz nada, é ruim. Esse novo artigo diz que a venda só acontecerá depois da definição do zoneamento em outro projeto de lei. Então não faz sentido votarmos esse projeto que tramita hoje", afirma o vereador Eduardo Tuma (PSDB).

Aurélio Nomura (PSDB), líder do governo na casa, diz que faltou compreensão das modificações propostas pela prefeitura.

"Foi uma coisa tumultuada e faltou esclarecimento. Muitos vereadores não compareceram [à sessão]. Houve a alteração feita depois de audiência pública hoje [quinta] segundo a qual a prefeitura iria apresentar um projeto de lei sobre o Projeto de Intervenção Urbana (...) e os vereadores não compareceram [à audiência pública]", afirma.

Segundo ele, não há estremecimento na relação entre a gestão Doria e os vereadores da base aliada.

"Na sessão passada, a ideia era discutir projetos de vereadores, e também não houve votação. Chega ao final do ano e já começa uma movimentação [dos vereadores] no sentido 'quero participar de tal comissão, quero ir para a presidência [da Câmara]'", analisa.

"A Câmara está no seu papel se ainda não se sentir suficientemente confortável para votar o projeto. Os vereadores terão sensibilidade de entender as reais necessidades da população", disse o secretário de Desestatização e Parcerias, Wilson Poit.

"Diante da ponderação dos vereadores e da sociedade, o Poder Executivo demonstrou sensibilidade às questões urbanísticas relacionadas ao imóvel em que está localizado o Anhembi, e tratará disso em um projeto de lei à parte, permitindo ampla discussão e participação da sociedade na determinação dos rumos daquela área", concluiu.

Líder do PT na Câmara, o vereador Antonio Donato também foi crítico ao modo que a prefeitura está tocando a privatização do Anhembi.

"Mais uma vez a gente faz o processo inverso, começa pelo fim. Se vamos precisar de uma nova lei para definir os parâmetros, por que não se faz essa lei primeiro, define os parâmetros e então se discute a alienação? Não faz sentido votar antes a privatização. Os parâmetros vão definir o valor do patrimônio e o potencial construtivo."

DONO DO ANHEMBI?

Além disso, segundo Milton Leite, gerou "insegurança jurídica" entre os vereadores a atuação do empresário Adilson Bezerra, que tem apresentado documentos que, segundo o próprio, comprovariam que ele seria herdeiro do terreno do complexo do Anhembi.

Bezerra protocolou um requerimento na Câmara dizendo que a prefeitura está vendendo um terreno que, no passado, era particular e atualmente pertenceria a ele. Ele tem apresentado também cópias de uma suposta matrícula do imóvel e de um parecer da Procuradoria-Geral do Estado afirmando que o terreno é área de propriedade privada.

"A questão da propriedade é complicada no aspecto jurídico. A Procuradoria [da Câmara] me comunicou que precisa de tempo para fazer análise da documentação acostada. Mas não posso sem o devido cuidado colocar o projeto de lei a voto", afirma Leite.

"Existe uma pendência sobre a titularidade da área. Tem toda uma documentação curiosa que diz que a área é particular. É uma situação muito confusa. Existe uma polêmica, um parecer da Procuradoria do Estado não é qualquer um", diz Donato.

"O prefeito está querendo vender uma área que não lhe pertence. Estamos há muitos anos brigando na Justiça, tentando tirar a prefeitura da área, mas infelizmente não conseguimos", disse Bezerra em audiência pública nesta quinta (23).

"Vamos conseguir provar para o município de São Paulo que a área tem dono. Temos documentos registrados em cartório e [a disputa] está em processo", continuou.

Segundo ele, o terreno fora arrendado pela Câmara pelo prazo de 45 anos, encerrando-se em fevereiro de 1929. No entanto, extinto o prazo, o terreno não foi devolvido aos seus proprietários originais.

A prefeitura de Desestatizações e Parcerias reconhece a existência de duas ações movidas por Bezerra, acrescentando que a primeira, de 2004, já foi extinta, e a segunda, na vara da Fazenda Pública, foi rejeitada em primeira instância, com parecer favorável do Ministério Público.

CRONOGRAMA DE PRIVATIZAÇÕES

O programa de privatizações é peça central da agenda de Doria, que trava disputa interna no PSDB com o governador Geraldo Alckmin pela escolha do candidato do partido nas eleições à Presidência no ano que vem.

Para ser candidato em 2018, o prefeito terá de deixar o cargo até o início de abril.

A alienação do complexo do Anhembi será feita em pacote conjunto com a SPTuris, que tem cerca de 450 funcionários e receita anual de R$ 250 milhões.

No projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal em primeira votação estabelecido que 75 dias ao ano da agenda do Anhembi terão que ser reservados ao Carnaval e a eventos religiosos.

Até o momento, os vereadores já deram aval para a concessão do estádio do Pacaembu, do Mercadão, do sistema de bilhetagem, dos terminais de ônibus e o sistema de guincho e pátios de carros.

Também aprovaram em primeira votação a privatização do autódromo de Interlagos.

A prefeitura ainda precisa contratar instituição financeira para avaliar os ativos da SPTuris antes de lançar o edital para a privatização.

Em setembro, o Tribunal de Contas do Município suspendeu edital contratação dessa instituição por enxergar no processo um possível conflito de interesses: um banco que eventualmente faça a avaliação poderia aparecer no futuro como comprador do Anhembi.

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Área total do complexo: 400 mil m², divididos em sambódromo, pavilhão de exposições e palácio das convenções

- 3,5 milhões de pessoas, aproximadamente, visitam o local anualmente

- 150 eventos, em média, são realizados, como feiras de negócios, desfiles de Carnaval e shows

- O sambódromo não faz parte da proposta

- Palácio das Convenções: 37 mil m² (quatro auditórios, cinco halls e quatro salas)

- Pavilhão de exposições: 74,5 mil m²

- Espaços como o estacionamento e um jardim (de Roberto Burle Marx) também fazem parte do tombamento

- Custo por ano: R$ 67 milhões (segundo a prefeitura)

- Em que fase está no processo de privatização: Câmara aprovou a alienação em 1ª votação; a 2ª deve acontecer ainda em novembro

- Tombamento tramita no âmbito municipal


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