Folha de S. Paulo


Fala de ministro da Justiça abre crise com autoridades do Rio

Paula Bianchi/UOL
Secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá (centro), na Rocinha no início do mês
Secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá (centro), na Rocinha no início do mês

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, declarou ao blogueiro do UOL Josias de Souza que a segurança pública do Rio não é controlada por suas autoridades, mas sim por um acordo entre deputados estaduais e o crime organizado, e que "comandantes de batalhão são sócios" das facções criminosas fluminenses.

As afirmações abriram uma crise entre a pasta e autoridades estaduais, com acusações do presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado), Jorge Picciani (PMDB), respostas duras do secretário de Segurança, Roberto Sá, e oficiais da Polícia Militar ameaçando entregar seus postos.

Na entrevista, Jardim disse ainda estar convencido de que a morte do comandante do 3º batalhão da PM do Rio no último dia 26 se tratava de "execução" -o carro em que estava o coronel Luiz Gustavo Lima Teixeira, 48, foi atingido por 17 tiros durante o que a polícia afirma se tratar de um arrastão.

RESPOSTAS

Em nota, o secretário de Segurança refuta as afirmações e diz ter colocado como "premissa básica para assumir o cargo a total autonomia para a escolha dos comandados", feita, segundo ele, a partir de critérios técnicos.

"A despeito de todas as crises pelas quais o Estado passa, [...] a Secretaria de Segurança, por meio do incessante trabalho das polícias Civil e Militar, vem mantendo a produtividade em ações, bem como conseguindo reverter a tendência de aumento de alguns indicadores de criminalidade", afirma o comunicado.

"Só posso demonstrar minha surpresa e minha indignação com essas declarações", afirmou o secretário em entrevista à Globonews. Segundo ele, "ações como essa, comentários genéricos assim, não contribuem para nada."

O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), também rebateu as afirmações do ministro. Em nota, o peemedebista afirmou que "o governo do Estado e o comando da Polícia Militar não negociam com criminosos".

Disse ainda que as escolhas de comandos de batalhões e delegacias fluminenses são decisões técnicas e que jamais recebeu pedidos de deputados para tais cargos.

No comunicado, Pezão afirma ainda que não conversou com o ministro sobre esse assunto no encontro de governadores na última sexta-feira (27) em Rio Branco, como declarou Jardim em sua entrevista ao UOL.

Por fim, Pezão defendeu o atual comandante da Polícia Militar: "(...) o comandante da PM, coronel Wolney Dias, é um profissional íntegro".

'IRRESPONSÁVEL'

Jorge Picciani (PMDB), presidente da Alerj, foi o mais incisivo ao rebater nesta terça-feira (31) as declarações do ministro.

Segundo o chefe do Legislativo fluminense, o ministro "mente", é "irresponsável" e "age com má-fé". "Quando ele acusa todos os comandantes de estarem acumpliciados com o crime organizado, ele mente. A polícia tem punido os seus maus profissionais", declarou o deputado estadual, em vídeo publicado no Facebook.

Em relação à influência de deputados, sejam estaduais ou federais, a mentira é ainda mais grosseira. Ela é de quem não tem nenhum conhecimento, de quem é irresponsável e de quem age com má-fé", rebateu Picciani.

As declarações de Jardim causaram alvoroço entre os oficiais da Polícia Militar do Rio. À tarde, um grupo foi até o quartel-general da corporação, no centro da capital, exigir uma resposta firme do comandante-geral, Wolney Dias. Alguns oficiais, conforme a reportagem apurou, ameaçaram até entregar os postos.

Procurado pelo UOL, o comando da PM afirmou que não ocorreu nenhum movimento de oficiais no quartel-general da corporação nesta terça.

O Estado chegou a 113 policiais assassinados somente neste ano. Segundo policiais ouvidas pelo UOL, a insatisfação é geral. A tropa reclama, em especial, das más condições de trabalho e dos atrasos no salário.

No fim da tarde, o comando da PM publicou uma nota de repúdio às declarações do ministro, afirmando que as frases "são de uma irresponsabilidade inadmissível e merecem o nosso mais veemente repúdio".

Para a corporação, "ao generalizar acusações sem qualquer base comprobatória contra uma instituição bicentenária, as declarações revelam, no mínimo, desrespeito e desprezo ao esforço descomunal" das polícias do Estado.

O Rio enfrenta uma grave crise financeira, com cortes de serviços e atrasos de salários de servidores, e está perto de um colapso na segurança pública.

Um outro efeito dessa crise tem sido o aumento dos índices de criminalidade e a redução do número de policiais em favelas ocupadas por facções criminosas. As UPPs, base policiais em comunidades controladas pelo tráfico perderam parte de seu efetivo.

Nos últimos meses, têm sido rotina mortos e feridos por bala perdida, além de motoristas obrigados a descer de seus carros para se proteger dos tiros.

A situação de insegurança também levou o presidente Michel Temer (PMDB) autorizar o uso das Forças Armadas para fazer a segurança pública do Rio até o final do ano que vem.

RAIO-X DA CRISE NO ESTADO DO RIO


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