Folha de S. Paulo


Samarco usa acordo com União para pedir absolvição de crime ambiental

A mineradora Samarco defende que medidas reparatórias que tomou após sua lama de rejeitos destruir 650 km de ecossistemas, inclusive um acordo com o governo federal, justificam a absolvição da empresa por parte dos crimes ambientais a que responde em ação penal.

O argumento foi usado pelos advogados à Justiça Federal de Ponte Nova (MG), onde tramita o processo criminal contra a Samarco e suas donas, Vale e BHP Billiton. Elas respondem, juntas, por 12 crimes contra o meio ambiente.

Dois anos depois do rompimento da barragem de Fundão, obras de urgência para diminuir o desastre ainda não foram terminadas, o mar de Linhares (ES) continua proibido para pesca e famílias lutam para serem incluídas em programa de indenização.

Ao juiz Jacques de Queiroz Ferreira, contudo, a Samarco diz que tomou providências que a eximam da acusação de crimes de administração ambiental -por, segundo a Procuradoria, ter omitido que a Vale também despejava lama em Fundão.

"É acertado dizer que as condutas prévias e posteriores [ao rompimento] desempenham papel relevante como critério para atribuição ou não de um sentido jurídico-penal de ação", diz a defesa apresentada em juízo em março por três advogados, que classifica o rompimento como "acidente".

A Folha teve acesso ao processo, que tem 45 volumes e quase 10 mil páginas.

Segundo a defesa, as medidas adotadas para mitigação e reparação dos danos ocorridos "apontam para a mais completa ausência de quaisquer critérios válidos de atribuição ou constatação de um sentido delitivo intrínseco aos crimes de administração ambiental".

Essas ações sofreram sucessivos atrasos e questionamentos de órgãos como o Ministério Público e o Ibama.

Entre as medidas adotadas, a Samarco cita o acordo com a União, que não é homologado pela Justiça, e a criação da Renova, fundação bancada pela empresa e suas donas para arcar com o ônus da reparação de áreas destruídas e pagamento de indenizações.

O processo está suspenso desde julho para investigar a possibilidade de a Polícia Federal ter ultrapassado o período autorizado para realizar escutas nos telefones de executivos da mineradora.

No total, 22 pessoas são rés no processo (21 delas sob acusação de homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar) e quatro empresas -as mineradoras e a consultoria VogBR, que apresentou laudo de estabilidade da barragem. Todos negam ter cometido crimes.

Editoria de Arte/Folhapress

TRIBUNAL DO JÚRI

Na sua defesa, a Samarco também tenta evitar que a empresa seja levada ao tribunal do júri, conforme requisitado pelos procuradores. Em seu argumento, isso não pode acontecer com pessoas jurídicas.

"Caso se mantenha o rito do tribunal do júri para as pessoas jurídicas, estará umbilicalmente vinculadas às defesas das pessoas físicas acusadas", diz.

A partir de então, passa a questionar o motivo de o Ministério Público Federal ter entendido que houve crime doloso contra a vida na morte de 19 pessoas na tragédia, embora essa acusação seja imputado às pessoas físicas, e não à empresa.

"Constata-se que o resultado lesão corporal de natureza grave em outrem e o resultado morte de outrem se produziram como meros desdobramentos causais de uma conduta ofensiva ao meio ambiente", afirma o documento.

A mineradora refuta ainda a acusação de crimes contra o patrimônio cultural, argumentando que igrejas, cemitério, mina e marcos da Estrada Real destruídos não eram tombados ou protegidos por normas específicas.

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"Há ainda que ressaltar que os marcos da Estrada Real não possuem qualquer valor arqueológico ou cultural, tendo em vista serem meros marcos erigidos em concreto com um mapa simplificado da estrada real em relevo", diz a defesa.

Também acusados, dois membros da cúpula da Samarco, o ex-presidente Ricardo Vescovi e o ex-número dois Kleber Terra, disseram que o Ministério Público Federal não conseguiu apontar condutas que os incriminassem como responsáveis pelo rompimento da barragem. A Vale também se exime de qualquer responsabilidade em sua defesa.

A maior mineradora do Brasil, que despejava parte de seus rejeitos de minério no reservatório, disse que a estrutura tinha "gestão operacional exclusiva da Samarco" e que, apesar de ser acionista, a Procuradoria considerou "de forma claramente equivocada que Vale e Samarco seriam uma só".

Procurada, a Samarco não se manifestou. Já a Vale disse que "reitera que jamais foi a gestora da barragem de Fundão, estrutura de propriedade e sob controle operacional próprio e exclusivo da empresa Samarco".

Segundo a Vale, os volumes que eram despejados em Fundão "não tiveram representatividade no volume total de rejeitos depositados pela Samarco" na Barragem de Fundão.

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TESTEMUNHA-CHAVE

De investigado, o projetista da barragem de Fundão, o engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, passou a ser a testemunha-chave do processo contra a Samarco que tramita em Ponte Nova.

Principal fornecedor de informações sobre as operações da barragem para as autoridades, Ávila foi um recordista de depoimentos durante a fase de investigação das causas do rompimento -cinco, no total.

Ele não foi indiciado ou denunciado. O entendimento é que Ávila não participou ativamente da operação da barragem e que suas recomendações não foram seguidas pela mineradora, o que resultou no rompimento.

Agora, a Procuradoria pede que ele seja ouvido antes das outras pessoas do processo. Alega que ele está com 70 anos e tem sobrepeso e problemas de saúde.

O engenheiro, no entanto, tem vida profissional ativa. Participou de evento do Comitê Brasileiro de Barragens em maio.

Nos autos, o advogado de três executivos da Samarco acusados de homicídio sugere que ele deveria ter sido incluído no processo.

Procurado, Pimenta de Ávila disse por e-mail que "conforme orientação médica" não é aconselhável que "trate do assunto Samarco". "Foi causa de grande stress tendo me provocado crises de hipertensão", afirmou.

"Presentemente preciso evitar este assunto. Desenvolvo minhas atividades, seletivamente e com assistência médica constante", disse. "Passei por cinco inquéritos tendo de me defender de acusações inverídicas e injustas que felizmente (porém a muito esforço) foram descartadas."

O Ministério Público Federal, também procurado, informou que "a lei possibilita que se faça produção de prova antecipada com uma testemunha idosa, por mais que seja ativa".

O processo deve durar alguns anos em primeira instância. Os procuradores também pediram que a ação seja dividida e que cinco réus que não moram no Brasil respondam separadamente.

Todas essas questões foram interrompidas em julho, sem decisão, quando a ação foi suspensa.

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Etapas do processo

5.nov.2015
Barragem de Fundão se rompe

23.fev.2016
Polícia Civil de MG conclui inquérito

20.out.2016
Polícia Federal conclui inquérito

20.out.2016
Ministério Público Federal denuncia 22 pessoas, a Samarco, a Vale, a BHP e a VogBr

18.nov.2016
Justiça aceita denúncia; ação tramita em Ponte Nova (MG)

4.jul.2017
Juiz suspende processo para apurar se escutas telefônicas usadas como prova ultrapassaram período autorizado pela Justiça

Próximos passos
Processo pode ser anulado ou continuar a tramitar. Réus podem ser levados ao tribunal do júri

Defesa
Samarco afirma que processo deve ser anulado e que não houve dolo; Vale diz que operação da barragem era exclusiva da Samarco. Executivos negam que haja provas contra eles

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