Folha de S. Paulo


Julgamento de crimes cometidos por militares opõe Exército a entidades

Pilar Olivares/Reuters
Members of the armed forces patrol the Rocinha slum during an operation against drug gangs in Rio de Janeiro, Brazil October 11, 2017. REUTERS/Pilar Olivares ORG XMIT: PON08
Soldados patrulham durante operação na favela da Rocinha, zona sul do Rio, nesta quarta-feira (11)

A aprovação de um projeto de lei no Senado que transfere para a Justiça Militar o julgamento de homicídios ocorridos durante operações militares opõe, de um lado, Forças Armadas e Justiça Militar e, de outro, Ministério Público Federal e organizações não governamentais.

O projeto aprovado na terça-feira (10) autoriza que militares que tenham matado civis nas chamadas operações de GLO (Garantia de Lei e da Ordem), como as realizadas atualmente em morros do Rio de Janeiro, sejam julgados por militares, e não por tribunais do júri na Justiça comum, que abrangem policiais militares desde 1996.

A PGR (Procuradoria Geral da República) foi contrária ao projeto, em nota técnica de agosto deste ano, ainda durante a gestão do ex-procurador-geral Rodrigo Janot.

Ela opinou que a Justiça Militar "não goza de autonomia em relação às Forças Armadas" e, assim, "não pode ser reconhecida como isenta para processar atos graves que foram praticados por militares contra civis".

A Anistia Internacional pede que o presidente Michel Temer (PMDB) vete integralmente o projeto –ele só passa a valer a partir da sanção, ainda sem data prevista.

A entidade menciona a impunidade que grassou no meio militar brasileiro durante a ditadura militar (1964-1985) no tocante às denúncias de assassinatos, torturas e desaparecimentos forçados de opositores do governo.

Em sentido oposto, o Exército, o STM (Superior Tribunal Militar) e a PGJM (Procuradoria Geral da Justiça Militar) comemoraram a aprovação do projeto, relatado pelo senador Pedro Chaves (MS), do PSC (Partido Social Cristão), partido conservador presidido por um pastor evangélico.

Para o ministro da Defesa, Raul Jungmann, o projeto corrige um problema da lei, segundo ele criada em meio a clamor público motivado por episódios como a chacina da Candelária, em 1993. Na época, segundo o ministro, foram incluídos os "militares, que nada tinham a ver" com as chacinas.

Em nota à Folha, o Comando do Exército afirmou que a Justiça Militar "se destaca pela austeridade na aplicação das penas e pela celeridade na condução dos processos".

"Submeter os militares das Forças Armadas ao foro da Justiça Militar torna mais rígida e célere a punição de crimes e abusos cometidos por esses representantes do Estado nas operações de GLO", diz o Comando do Exército.

O STM afirmou em nota que o projeto "é importante porque devolve à Justiça Militar Federal uma competência há muita prevista em legislação específica".

Disse ainda que a lei de 1996 tinha como objetivo coibir os abusos nas Polícias Militares nos Estados, e não nas Forças Armadas.

No ano passado, o STM já havia entendido que a Justiça Militar "é competente para processar e julgar casos de homicídio doloso cometidos por militares das Forças Armadas contra civis".

Em nota técnica de 1º de setembro assinada pelo procurador-geral de Justiça Militar, Jaime de Cassio Miranda, a PGJM afirmou que o projeto é constitucional, que "raríssimos são os casos de mortes de civis que decorrem da atuação das Forças Armadas e, dos 3.320 óbitos decorrentes de intervenção militar no ano de 2015, o Ministério Público Militar desconhece que algum deles tenha resultado de confronto com militares federais".

Em 2008, um grupo de militares do Exército, sob comando de um tenente, entregou três jovens do Morro da Providência a traficantes da Mineira, no Rio de Janeiro. Eles foram espancados e assassinados com vários tiros.

Em 2015, o estoquista e músico Vítor Santiago Borges teve a perna esquerda amputada depois que seu carro foi alvejado por tiros de fuzil disparados por militares do Exército no conjunto de favelas da Maré, também no Rio.


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