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Ex-funcionário guarda objetos do Carandiru e sonha em criar museu

Joel Silva/Folhapress
Ronaldo de Lima, 50, que trabalhou no Carandiru por nove anos, em Serra Azul (SP), onde vive
Ronaldo de Lima, 50, que trabalhou no Carandiru por nove anos, em Serra Azul (SP), onde vive

Com um acervo particular de 5.000 peças, um agente penitenciário de Serra Azul, no interior paulista, sonha em criar um museu em memória àquele que já foi o maior presídio da América Latina: o Carandiru.

Ronaldo Mazotto de Lima, 50, trabalhou na Casa de Detenção, como era oficialmente conhecida, por nove anos.

Durante esse tempo, reuniu material que inclui de utensílios feitos a mão pelos detentos até fotos e vídeos que retratavam o cotidiano violento da penitenciária.

Todos os objetos estão organizados e catalogados em sua casa no interior de São Paulo, onde vive e trabalha desde que o Carandiru foi desativado, em 2002.

Os pavilhões foram implodidos, e o local abriga hoje o Museu Penitenciário.

Nesta segunda, o massacre que resultou na morte de 111 presos completa 25 anos. Em setembro de 2016, o Tribunal de Justiça de SP anulou os julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo massacre. Ninguém foi preso.

"Comecei a coleção logo quando entrei no Carandiru. Achava que aquilo ali iria acabar um dia, e eu teria a minha história", conta Mazotto.

Para tanto, diz, conseguia autorizações com a direção da penitenciária para filmar e fotografar ações policiais, rebeliões e até assassinatos.

Já a maioria das peças de sua coleção, segundo ele, foi adquirida durante as revistas nas celas e por meio de encomendas junto aos detentos.

"Tenho uma maquete do Carandiru que os presos fizeram para mim, além de outras peças de artesanato que eles me vendiam em troca de maços de cigarros. Vários outros objetos eu pegava no lixo, depois das blitze", contou.

Além da maquete da Casa de Detenção, entre os itens que mais chamam a atenção na coleção de Mazotto estão um forno de micro-ondas de papelão, um aparelho para tatuar feito com caneta e motor de liquidificador e uma Bíblia que escondia em suas páginas uma arma.

"Muitos colegas de trabalho diziam que eu era louco por ficar catando coisas do lixo e depois guardar aquilo dentro de casa. Mas hoje tenho orgulho de minha coleção. Acredito que tenho mais objetos até do que o museu."

APÓS O MASSACRE

Mazotto disse que deseja criar um museu itinerante para levar seu acervo a escolas e faculdades. Para ele, seria uma forma de conscientizar os jovens e mantê-los longe da criminalidade.

Enquanto isso não ocorre, por falta de dinheiro e apoio, ele mostra suas peças aos curiosos que o visitam em Serra Azul, cidade paulista na região de Ribeirão Preto.

"Tenho muita visitação. Inclusive, muitos policiais da região passam em casa para ver o material e tirar fotos", diz. "Mas precisaria de investimentos e até mesmo patrocínio para garantir a melhor conservação dessas peças."

O agente começou a trabalhar no Carandiru em 1993, um ano após o massacre de 111 detentos no presídio.

As mortes ocorreram após intervenção da Polícia Militar para conter rebelião de presos. A tragédia de 1992 não diminuiu o clima de horror que funcionários e detentos viviam na Casa de Detenção.

Mazotto disse que perdeu as contas de quantas vezes foi mantido refém em rebeliões.


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