Folha de S. Paulo


Refeitório no centro de SP dá comida de graça para a comunidade judaica

Keiny Andrade/Folhapress
Idosos e desempregados da comunidade judaica estão entre os atendidos pelo refeitório
Idosos e desempregados da comunidade judaica estão entre os atendidos pelo refeitório

Um grupo de idosas pilota uma cozinha comunitária na capital paulista voltada para um público específico: judeus. Lá, levas de desempregados, que fecharam empresas ou se aposentaram com apenas um salário mínimo, além de idosos, procuram uma refeição gratuita.

A iniciativa é um dos projetos sociais da instituição beneficente israelita Ten Yad, que abraçou a causa há 25 anos. A crise econômica do país fez aumentar em 15% a procura pelas refeições neste ano em relação a 2016, diz o rabino David Weitman, diretor-executivo da organização. O espaço tem servido 360 porções de comida por dia.

O refeitório fica no subsolo do prédio da ONG, na rua Newton Prado, no Bom Retiro, centro de São Paulo. O bairro recebeu as primeiras famílias de imigrantes judeus que fugiram da Europa durante a Segunda Guerra Mundial.

A lotação do espaço atinge o ápice sempre ao meio-dia, a comida só é servida após uma breve cerimônia religiosa, e a maioria dos frequentadores é avessa a câmeras e entrevistas. "Você está me filmando?", foi a pergunta mais ouvida pela reportagem, que acompanhou o almoço numa quarta-feira de setembro.

O temor é social, diz a publicitária Liana Goldenstein, 52, que utiliza o refeitório com o marido, Jonas Moisés Gertner, 58, há um ano e meio. "Se você perde o emprego, o medo é ficar marginalizado."

Liana e Jonas foram donos de uma fábrica de guarda-chuvas que naufragou no final dos anos 1990.

Atualmente, ambos estão desempregados e vivem apenas de rendimentos. "Aqui é um espaço que também nos leva a ter mais contato com a religião", afirma ela.

Em outra mesa, a aposentada Sylvia Regina Fiszbein, 74, conversa com as amigas Sabina, 78, e Rute, 79. Ela trabalhou a vida inteira no comércio e, quando se aposentou, levou um susto: só iria receber um salário mínimo por mês até o final da vida.

"Ainda briguei com o meu irmão e saí de casa. Este lugar tem salvado as minhas finanças há três anos e meio", diz. Além do almoço, a aposentada toda semana leva para casa um kit com laticínios, pães e bolachas para jantar.

QUENTINHA

As 300 voluntárias –60% delas idosas– trabalham em ritmo industrial para manter as operações nos trilhos. São elas que abastecem o bufê com arroz, variedades de carnes, legumes e frutas.

Elas também atuam em outra frente de trabalho: a montagem de refeições para quem não consegue ir até o refeitório. "Tudo precisa ser muito rápido, porque a comida precisa chegar quentinha na casa deles no horário certo", conta Fanny Waiswol, 75, coordenadora das voluntárias.

As refeições atendem quem está muito doente. São despachados 1,5 kg de alimentos para cada um –entre sopa, pães e uma marmita. Em média, 270 pessoas são beneficiadas.

"A gente sempre coloca muito carinho e um pouquinho a mais de comida na marmita. Não tem jeito", revela a aposentada Stella Kurbet, 78.

Menchem Mukasiey, 72, só consegue dar poucos passos no apartamento onde mora no Bom Retiro com a ajuda de um andador. Além de diabetes, artrose e hipertensão, o idoso já passou por dez cirurgias nos joelhos.

Mukasiey recebe o almoço em casa de domingo a sexta-feira –a entrega não acontece aos sábados, dia de descanso para os judeus. "Receber comida saudável e de graça é uma dádiva", diz.

A refeição servida no refeitório do Ten Yad também atrai muitos adeptos por ser kasher, um selo religioso que assegura que o preparo do alimento segue à risca aquilo que determina a Torá, o livro sagrado dos judeus.

Um exemplo da prática: não se manuseia ou armazena leite, de forma alguma, no mesmo local onde a carne é preparada, e vice-versa.

DIFICULDADES

O Ten Yad está amparado financeiramente por doações de famílias e empresários judeus. Em 2016 movimentou R$ 13 milhões, que custearam dezenas de projetos não só voltados para a comunidade.

A expertise em produzir o grande volume de refeições deu à entidade a gestão de uma unidade do Bom Prato, restaurante do governo do Estado, no Glicério (centro). O local serve 1.800 refeições diárias a R$ 1 cada uma.

O maior desafio da instituição é engajar mais voluntários para a causa. "Grande parte de nossas voluntárias são idosas e é sempre bom termos renovação do quadro", disse o rabino Weitman.

Para ser beneficiado com os almoços gratuitos no Bom Retiro nem é preciso ser judeu, mas é necessário ter predileção pela cultura judaica.

O interessado precisa comprovar estar em dificuldade financeira e ter disposição para passar por entrevistas e até receber visitas em casa de assistentes sociais da entidade.


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