Folha de S. Paulo


Nem criou favela segura pra jovem do Leblon comprar cocaína, diz biógrafo

Keiny Andrade - 30.jun.2016/Folhapress
Paraty, RJ, 30.06.2016 - FLIP 2016 ILUSTRADA - Mesa â??Os Olhos da Ruaâ? com Misha Glenny (camisa vermelha) e Caco Barcellos. FOTO: Keiny Andrade/Folhapress
O jornalista britânico Misha Glenny, durante a Flip 2016

Herói e celebridade, bandido e homem de negócios, Nem foi retratado em suas muitas facetas no livro "O Dono do Morro: Um Homem e a Batalha pelo Rio" (Companhia das Letras), lançado pelo jornalista britânico Misha Glenny, 59, em 2016.

Folha - Por que um livro sobre um traficante de uma favela carioca?

O Dono Do Morro
Misha Glenny
l
Comprar

Misha Glenny - Quando fiz "MacMáfia", livro em que trato do crime organizado global, descobri que o Brasil, ao contrário do senso comum, é grande no cenário de crimes cibernéticos. Quando fui ao Brasil em 2005 fazer essa investigação, vi muitas boas histórias desconhecidas fora do país e resolvi voltar em 2011.

Buscava um tema que me permitisse discutir grandes questões do país, como sua enorme desigualdade econômica, que me convenci ser o motivo pelo qual o Brasil é sempre o país do futuro e nunca do presente.

Explorei diversas possibilidades: Amazônia, crescimento das igrejas evangélicas e, claro, tráfico de drogas. Foi quando Nem foi preso de maneira espetacular, o que me impressionou.

Como foi sua pesquisa?

Acompanhei tudo o que saiu na mídia, fui para a Rocinha e fiquei surpreso em ver como ele era visto como o diabo no asfalto ao mesmo tempo em que era herói na favela. Gravei 28 h de entrevistas com ele no presídio.

Como a Rocinha virou o maior varejista de cocaína do Rio?

Por vários motivos. A Rocinha é muito isolada de outras favelas e está perto de bairros ricos. Nem percebeu que precisava transformá-la num lugar seguro onde jovens de Copacabana, Ipanema, Leblon pudessem circular livremente para comprar cocaína.

Reuters - 10.nov.2011
O líder do tráfico da favela da Rocinha, Antonio Bonfim Lopes, o Nem, é conduzido por policiais do batalhão de choque à delegacia, no Rio de Janeiro (RJ). O traficante foi preso após se encontrado em porta-mala de um automóvel, tentando fugir da favela da Rocinha. *** iSMS102 Antonio Bonfim Lopes (R) or
Nem ao ser preso, em novembro de 2011, no Rio

Essa relativa segurança favorecia outros negócios?

Se você olhar o pé da Rocinha, vê a quantidade de estabelecimentos. Sob o comando de Nem, virou um centro comercial, abriram vários restaurantes, até de sushi, e bancos se estabeleceram ali. Havia um ambiente vibrante de empreendedorismo. E as pessoas que subiam o morro para comprar cocaína achavam que aquilo era uma aventura. Ninguém faria isso no Complexo do Alemão.

Há solução para a crise atual?

Ela certamente não está no Exército, que funciona apenas como paliativo, além de ser insustentável financeiramente no médio prazo. Seria preciso restabelecer um programa de segurança aliado a programas sociais, o que não foi feito no caso da UPP.

Chamada Rocinha 620x400

Endereço da página:

Links no texto: