Folha de S. Paulo


Refrear impulso violento é desafio de agente penitenciário, diz cineasta

Divulgação
Cena do documentário
Cena do documentário "A Gente", de Aly Muritiba, que retrata o cotidiano de um presídio em Curitiba

Saber frear impulsos violentos e agir com diplomacia e diálogo são as principais armas de um agente penitenciário para controlar os ânimos dentro de um presídio, afirma o cineasta Aly Muritiba. O diretor lança nesta quinta-feira o documentário "A Gente", que retrata o cotidiano dos funcionários de um presídio de Curitiba.

Trata-se de um mundo que o diretor conhece muito bem. Por sete anos, trabalhou na mesma penitenciária onde gravou recentemente o filme. Segundo ele, estava precisando de um emprego e se inscreveu para um concurso público para trabalhar em presídios.

O título do filme, conta Muritiba, é uma brincadeira envolvendo a palavra "agente", escrita no uniforme dos trabalhadores e sua própria ligação com a função.

"Muitas vezes eu senti um impulso violento [contra os presos] e me assustei com isso. Sou um sujeito formado em história pela USP, uma instituição pública que forma pensadores de esquerda, defensores dos direitos humanos", disse. "Ter me tornado a mão do Estado era muito contraditório."

O cineasta participou de debate nesta terça-feira (12), após pré-estreia do filme organizada pela Folha. Também integraram a discussão o diretor de comunicação do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp), Elias Bittencourt, e Arlindo Lourenço, psicólogo que trabalhou por mais de 24 anos em instituições prisionais de São Paulo. O debate foi mediado pela repórter especial da Folha Fernanda Mena.

O documentário faz parte de uma trilogia dirigida por Muritiba, que inclui os curtas "A Fábrica" (2011) e "Pátio" (2013). Segundo o cineasta, os filmes retratam os três tipos sociais oprimidos pelo sistema penitenciário nacional: presos, agentes penitenciários e familiares de presos.

Para produzir seu novo longa, ele acompanhou durante seis meses os processos que seriam documentados no presídio. Antes de começar, foi preciso negociar as gravações com presos e agentes. Depois, passou por mais oito meses de filmagem em que trabalhou sozinho naquele ambiente.

"Tentamos no começo levar uma pessoa para fazer a iluminação e um captador de som. Mas eles eram alienígenas ali e acabavam correndo riscos, então decidi fazer sozinho", contou.

Bittencourt, que chegou a ser refém em duas rebeliões, agradeceu pela oportunidade que o filme oferece de "apresentar quem é o agente penitenciário". "São pessoas cobradas o tempo todo pelos presos e pelo poder público e que não recebem nada em troca", disse.

No debate, o psicólogo Arlindo Lourenço contou que perdeu mais de 50 colegas durante seu tempo no cargo. "Por assassinato, suicídio, acidente, AVC. Nunca ouvi falar de outra profissão em que a pessoa tivesse tantas mortes em seu círculo de amigos." Para Lourenço, o trabalho nas prisões representa um "processo de morte em vida".

Em um ponto, os três debatedores concordaram: a redução da população carcerária seria a única forma de melhorar a situação nas prisões brasileiras, que sofrem com a falta de recursos e superlotação. O problema é como chegar até isso.

Para Muritiba, o ideal é fazer uma triagem dos criminosos, colocando juntas nas celas pessoas que cometeram o mesmo tipo de crime, o que impediria que alguns se envolvessem com facções criminosas. Lourenço afirmou que o melhor seria, a longo prazo, que as prisões deixassem de existir, mas reconheceu ser uma solução utópica.

Já Bittencourt defendeu uma maior regulamentação e reconhecimento da categoria de agente penitenciário no Brasil, com a liberação de verbas e dos materiais necessários para garantir a segurança dos funcionários.

Mas ele ainda tem dificuldade de enxergar uma luz no fim do túnel. "Olhando hoje o nosso sistema prisional, não vejo saída possível."


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