Folha de S. Paulo


TJ vê problemas e suspende contratos de Doria para conserto de semáforos

A Justiça paulista suspendeu na manhã desta terça-feira (29) dois dos três contratos de manutenção de semáforos da cidade de São Paulo. A decisão da 10ª Câmara de Direito Público identifica que a licitação conduzida pela CET e pela gestão João Doria (PSDB) teve indícios de irregularidades.

A cidade de São Paulo assinou há duas semanas três contratos para retomar a manutenção dos serviços, após quase oito meses de caos e seguidas falhas nos semáforos da cidade.

Há duas semanas, a Folha revelou que a licitação que escolheria as empresas responsáveis pelo serviço na cidade vinha sendo questionada na Justiça. Até um cônsul da Áustria havia enviado uma carta ao prefeito João Doria tentando apelar à "lisura" do processo.

Na decisão desta terça, a Justiça atendeu ao pedido de uma das empresas que concorreu na licitação, mas que foi desclassificada em dois lotes. A decisão tem caráter provisório até que o processo seja analisado por um grupo de desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo.

No valor de R$ 40,5 milhões por um período de um ano (prorrogável para mais um ano), os contratos acabaram nas mãos das mesmas empresas que já prestaram o serviço e que, neste ano, atenderam pedidos do prefeito e fizeram doações à cidade. Estes fatos foram destacados pelo desembargador Marcelo Semer na decisão que suspendeu os contratos.

A decisão tece ainda críticas à gestão municipal. Ao reconhecer que a suspensão dos contratos pode protelar ainda mais a prestação do serviço na cidade, o desembargador argumenta que o atraso na contratação foi "aparentemente criado pelo próprio ente público" e que a demora do pregão, por problemas anteriores da própria administração, "não pode representar um salvo-conduto para eventual direcionamento concorrencial".

A CET disse nesta terça que irá recorrer e derrubar a decisão.

DISPUTA

No início deste ano, a nova gestão da CET decidiu montar um edital para contratar empresas que fizessem a manutenção dos quase 6.400 semáforos da cidade. O último contrato havia acabado no fim de 2016.

Enquanto aprontava a licitação, a CET pediu aos três consórcios que faziam a manutenção dos semáforos até o ano passado (liderados pelas empresas Meng, Serttle e Arc) que estendessem a garantia de seus serviços por três meses. Ou seja, as empresas se comprometeram a, de janeiro a março, consertar novamente os semáforos defeituosos que já tivessem passado por suas equipes de manutenção sem serem pagas pelo trabalho.

Essa não foi a única concessão feita pelas empresas ao município nesse período. Em janeiro, quatro empresas participantes dos antigos contratos de manutenção doaram à Prefeitura de São Paulo e à CET a troca das placas e da sinalização que indicavam a velocidade máxima das pistas das marginais Pinheiros e Tietê. Outras duas empresas de sinalização semafórica também participaram da doação e não saíram vencedoras da licitação. A escolha das empresas ocorreu após um chamamento público e o serviço saiu a R$ 703 mil pagos pelas firmas.

Nelson Antoine - 24.jan.2017/Folhapress
Equipes da empresa Meng realizam trocas de placas de velocidade na marginal Pinheiros, em janeiro de 2017
Equipes da empresa Meng realizam trocas de placas de velocidade nas marginais, em janeiro de 2017

O edital da CET para o conserto de semáforos só saiu em maio, mas foi logo questionado pelo Tribunal de Contas do Município. O órgão notou, entre outras falhas, a falta de detalhamento dos serviços que seriam prestados e como eles seriam pagos.

Com o edital corrigido, em junho, a CET realizou um pregão eletrônico. A concorrência, porém, foi suspensa após a apresentação das propostas da maioria das empresas. A CET informou à imprensa que uma falha no sistema eletrônico do pregão inviabilizou o prosseguimento do certame.

O registro das mensagens trocadas entre a pregoeira da CET e as empresas interessadas nos lotes, no entanto, mostra que a funcionária orientou equivocadamente as empresas a enviarem suas propostas de maneira diferente da solicitada no edital, o que provocou a suspensão do pregão. Uma investigação interna na CET apura o caso.

DESCLASSIFICAÇÕES

Quase um mês depois, em julho, um novo pregão foi feito pela CET e consagrou três vencedoras para os três lotes da cidade. No lote 1, a primeira colocada foi uma multinacional austríaca Kapsch. Mas a companhia foi inabilitada por apresentar uma certidão do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) com seu capital social desatualizado.

A empresa recorreu à CET alegando que o registro do Crea tem como objetivo apenas comprovar sua capacidade técnica. Ouvidos pela Folha à época, os advogados Jorge Eluf Neto (presidente da comissão de controle social dos gastos públicos), Gustavo Henrique Schiefler e Igor Tamasauskas (especialistas em direito do Estado e licitações) concordaram que, ao menos em tese, houve exagero por parte da CET.

"Essa formalidade não é motivo de inabilitação, porque a comprovação de informações contábeis ocorre por meio de documentos próprios, como o balanço patrimonial e registros na Junta Comercial", disse Schiefler. A alegação da empresa à CET, porém, não surtiu efeito. E, por isso, o cônsul da Áustria em São Paulo enviou uma carta ao prefeito pedindo que atentasse ao processo licitatório e se dizendo disponível para um encontro com Doria, o que até agora não ocorreu.

A empresa austríaca chegou a entrar na Justiça, mas um despacho de primeira instância, em processo distinto do que gerou a decisão desta terça (29), considerou que interferir na licitação naquele momento causaria prejuízos ao serviço.

Outra empresa, a Pro Sinalização, foi inabilitada por não ter dado comprovações de que já havia instalado e mantido 50 unidades de "no-breaks" para semáforos, que é o dispositivo que permite o funcionamento do semáforo mesmo quando falta energia (a empresa também havia participado da doação de placas nas marginais em janeiro).

A Pro Sinalização alegou que já havia instalado 50 "no-breaks" em estações de ônibus de Curitiba. Para a empresa, laudos indicariam que o dispositivo das estações de Curitiba poderia ser instalado nos semáforos de São Paulo. A CET não aceitou as alegações.

VENCEDORAS

Com as eliminações, os contratos dos lotes foram oferecidos para as empresas Meng e Arc, no momento em que elas aceitaram reduzir suas propostas. As empresas, ao lado da Serttel, lideravam os três antigos consórcios que faziam a manutenção dos semáforos da cidade até 2016. Foram as três que aceitaram estender suas garantias até março e que também doaram placas às marginais.

Após o pregão e antes da homologação do contrato, Meng e Arc alteraram suas planilhas de custos. Ambas haviam apresentado, no momento do pregão, propostas em que itens estouravam o valor estimado pela CET. As empresas, então, arrumaram a defasagem num prazo de dois dias. A Arc alterou ao menos 63 itens da planilha de custos.

A mudança nos custos dos itens após a apresentação da proposta no pregão foi contestada pelas empresas eliminadas e criticada pela maioria dos especialistas ouvidos pela reportagem. Tamasauskas disse que, em casos de erros, é possível permitir a retificação da planilha antes de sua homologação.

"No entanto, o órgão público não pode em um momento ser rigoroso ao ponto de recusar o registro do Crea com capital social desatualizado e, em outro, permitir uma planilha com valores corrigidos. É como um juiz de futebol que ora é rigoroso para um time e ora é brando para o outro. Isso traz desconfiança ao processo licitatório", disse o especialista.

No fim de julho, antes mesmo que as empresas desclassificadas contestassem suas eliminações, a CET anunciou à imprensa que faria uma força-tarefa com as novas detentoras dos contratos nos semáforos danificados da cidade. Em nota à época, a CET celebrou a postura das empresas vencedoras que "concordaram em antecipar o início do trabalho mesmo sem a garantia da assinatura dos contratos".

Com a decisão desta terça, os lotes 1 e 3, que haviam sido assinados com as empresas Meng e Arc, foram suspensos.

Editoria de Arte/Folhapress
MANUTENÇÃO DOS SEMÁFOROS DE SP

A CET e as empresas vencedoras afirmaram, na ocasião, que cumpriram rigorosamente o que estava previsto no edital da licitação e negaram formalidade excessiva, apontada por parte das empresas ao longo do processo. Elas afirmam ainda que as doações foram feitas de maneira transparente.

Quanto à eliminação da empresa Kapsch, a CET argumenta que a própria empresa causou sua eliminação ao apresentar uma certidão do Crea que estava "nula". "A certidão emitida pelo Crea do Rio de Janeiro perderá a validade, caso ocorra qualquer modificação posterior dos elementos cadastrais nela contida e, desde que não represente a situação correta atualizada do registro", disse João Octaviano Neto, presidente da CET, citando a certidão do CREA apresentada pela empresa que foi eliminada. "Eles nos entregaram uma certidão que é nula, não há o que interpretar", disse João Octaviano. Para o presidente da CET, a decisão desta terça-feira será derrubada na Justiça.


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