Folha de S. Paulo


Abdelmassih perde prisão domiciliar e vai para hospital penitenciário

Reprodução - 23.jun.17/TV Globo
Abdelmassih deixa hospital em Taubaté e segue para prisão domiciliar
Abdelmassih enquanto deixava hospital em Taubaté para se mudar para apartamento de luxo em SP

A Justiça revogou nesta sexta (11) a prisão domiciliar do ex-médico Roger Abdelmassih. Ele ganhou há cerca de um mês o direito de cumprir a pena de 181 anos no apartamento onde vivem sua mulher e filhos no Jardim Paulistano, bairro nobre de São Paulo.

Na decisão, a juíza da 1ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté Sueli Zeraik de Oliveira Armani afirmou que Abdelmassih será encaminhado ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, no bairro Carandiru, na zona norte, para continuar tratamento médico. Ele está internado desde segunda-feira (7) no hospital Albert Einstein por causa de uma superbactéria. Ele será encaminhado para a Penitenciária de Tremembé assim que receber alta médica, segundo decisão judicial.

A determinação é reflexo do rompimento da gestão Geraldo Alckmin (PSDB) com a empresa responsável pelo monitoramento de quase 7.000 presos por meio de tornozeleira eletrônica. A decisão de rescindir o contrato com a Synergye Tecnologia foi tomada, segundo o governo, após uma série de ocorrências de mau funcionamento do serviço.

O ex-médico é um dos raros presos, talvez o único no estado de São Paulo, que cumpre pena domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica. O equipamento foi exigência da juíza para permitir que ele cumprisse a pena em casa, após passar cerca de três anos em regime fechado na Penitenciária de Tremembé.

Falhas na emissão de sinal da tornozeleira de Abdelmassih foram registradas desde que ele voltou para casa. O equipamento passou a enviar informações de que ele poderia estar fugindo. O sinal indicava que Abdelmassih estaria distante do apartamento e se locomovendo em alta velocidade. Minutos depois, porém, quando as forças de segurança se preparavam para tentar recapturar o preso, os sinais indicavam que ele estava de volta.

COMO FUNCIONAM AS TORNOZELEIRAS

SAÚDE

Durante o período na prisão, o ex-médico passou por uma série de internações. Antes de conseguir o aval da Justiça para voltar para casa, Abdelmassih estava há quase um mês no Hospital São Lucas, em Taubaté, por causa de uma pneumonia.

Por ser portador de doenças crônicas, como hipertensão e ser cardiopata, a defesa do ex-médico entrou com pedido de indulto humanitário no fim do ano passado, concedido a presos que sofrem de males difíceis de serem tratados no ambiente prisional.

O pedido de indulto foi negado pela juíza Sueli no início de junho, mas, na mesma decisão, a magistrada concedeu a prisão domiciliar por defender que a penitenciária não oferece condições de tratamento médico. A decisão foi revogada dias depois por juízo de segunda instância, mas o ex-médico voltou novamente para casa após habeas corpus acatado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

A decisão foi favorável ao réu apesar de ter sido baseada em laudo médico que se mostrou inconclusivo a respeito das condições de tratamento dele dentro da penitenciária de Tremembé. O documento assinado pelo cardiologista Lamartine Cunha Ferraz diz que a prisão é um agravante ao quadro depressivo de Abdelmassih, mas que a saúde do ex-médico requer um tratamento clínico sem estrutura específica, com medicamentos "facilmente usados em qualquer ambiente fora do hospital".

De acordo com seu advogado, Celso Fraga, o ex-médico contraiu uma superbactéria identificada como Klebsiella pneumoniae. Ele descobriu a presença da infecção após os resultados de um exame de urina feito em 28 de julho na casa dele. O tratamento exige o uso de um antibiótico específico, que tem seu uso controlado. "Ele só poderia ter o tratamento adequado no hospital, já que o antibiótico que ele precisa não é vendido em farmácias. Por isso, solicitei à Justiça a saída dele de casa", disse Fraga.

Reprodução/Google Maps
Prédio em que Roger Abdelmassih vai cumprir prisão domiciliar no Jardim Paulistano, zona oeste de SP
Prédio em que Roger Abdelmassih cumpria prisão domiciliar no Jardim Paulistano, zona oeste de SP

O CASO

Abdelmassih ficou conhecido como "médico das estrelas" e chegou a ser considerado um dos principais especialistas em reprodução assistida do país, antes de ser acusado por dezenas de pacientes por abuso sexual.

O primeiro caso foi denunciado ao Ministério Público em abril de 2008, por uma ex-funcionária do ex-médico, como foi revelado pela Folha. Depois, outras pacientes, com idades entre 30 e 40 anos, disseram ter sido molestadas quando estavam na clínica.

As mulheres afirmam que foram surpreendidas por investidas do ex-médico quando estavam sozinhas -sem o marido e sem enfermeira presente -os casos teriam ocorrido durante a entrevista médica ou nos quartos particulares de recuperação. Três dizem ter sido molestadas após sedação.

Em 2010, o ex-médico foi condenado em primeira instância a 278 anos de prisão pela série de estupros de pacientes. A pena acabou reduzida para 181 anos em 2014 por causa da prescrição de alguns crimes.

Abdelmassih ficou foragido por três anos antes de ser preso e chegou a liderar a lista de procurados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Ele foi localizado em agosto de 2014, em Assunção, no Paraguai, de onde foi deportado.

O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP) iniciou um processo contra o médico em 2009, logo após as denúncias, e a cassação definitiva do registro profissional saiu em maio de 2011.

*

Cronologia do caso

2006
Ex-funcionária relata à Promotoria ter sido beijada à força por Abdelmassih

Jan.2009
Folha revela que o médico era investigado pela polícia, e mais mulheres dizem ter sido vítimas; Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP) inicia processo contra ele

Ago.2009
Abdelmassih é preso em sua clínica de reprodução, em área nobre de São Paulo

Dez.2009
STF concede habeas corpus e manda soltá-lo por entender que o médico não oferecia risco

Nov.2010
Ele é condenado em primeira instância a 278 anos de prisão por 48 estupros, mas decisão do STF o mantém livre

Jan.2011
Justiça determina prisão de Abdelmassih após ele tentar renovar seu passaporte, mas o médico foge

Mai.2011
Cremesp cassa seu registro profissional de médico definitivamente

Jul.2014
Secretaria da Segurança Pública de SP publica lista em que ele aparece como um dos dez mais procurados

Ago.2014
Depois de mais de três anos e meio foragido, Abdelmassih é preso em Assunção, no Paraguai

Out.2014
Alguns crimes prescrevem, e Justiça reduz sua condenação a 181 anos; pela lei brasileira, ele pode cumprir no máximo 30

Jul.2016
Ministério Público apresenta denúncia contra Abdelmassih sob nova acusação de atentado violento ao pudor; outros 36 casos prescrevem e são arquivados

Mai.2017
Para tratar de pneumonia, ex-médico é levado a hospital em Taubaté, onde permanecia até hoje –desde que foi preso, ele saiu diversas vezes para cuidar de problemas de saúde

Jun.2017
Justiça concede a ele direito de cumprir prisão domiciliar por conta de problemas de saúde, mas volta atrás da decisão apenas nove dias depois


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