Folha de S. Paulo


'Café do padre' e 'marmita da igreja' atraem filas de dia e de noite na Sé

Giovanni Bello/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 08-08-2017: Segundo voluntários, houve casos em que foram
Moradores de rua recebem marmitas de voluntários de grupo ligado à igreja Universal

Lado a lado nos bancos de concreto ou de pé, moradores de rua se posicionam à espera do "café do padre", distribuído ao lado da Igreja da Ordem do Carmo, em frente à praça da Sé, no centro.

Passava das 8h da fria manhã de terça (8) e a fila era grande. Sacos com 150 pães e garrafões com dez litros de café saem da igreja pelas mãos de voluntários. Em 15 minutos, tudo terá acabado.

"O que eles fazem por nós aqui é muito bom. Nessa hora, muitos aqui estão sem nada no estômago", disse Lucilene Souza dos Santos, 38, que vive nas ruas da região.

Quem entrega o pão é Elisete Maria Ferreira, 60, voluntária que também costuma se vestir de Papai Noel e distribuir balas na zona sul todos os finais de ano.

"O café quem dá é a Cruz Vermelha. O pão [metade fresco e metade 'dormido'] vem de uma padaria aqui perto", disse ela, que faz doações como forma de pagar a promessa que fez depois de se curar de um câncer.

Ela afirma ser favorável à possibilidade de a distribuição do pão passar a acontecer em espaços protegidos de sol, chuva e vento, como estuda a prefeitura.

"Quando chove, o povo se molha todo para poder comer. Dá dó", disse.

Quem ajuda Elisete Maria é um morador de rua. Há mais de dez anos na região da Sé, Natal Francisco, 55, come o pão -sem nenhum recheio- só depois de entregar para os demais colegas.

"Todo mundo pode ajudar um pouco. Muitos aqui precisam desse pão", disse ele.

A distribuição ocorre pouco tempo depois da limpeza diária da Sé e do Pateo do Collegio, onde estão duas das maiores concentrações de moradores de rua do centro.

Às 5h30, um caminhão-pipa chega à Sé para fazer a lavagem da área. Mesmo diante dos jatos, os moradores continuam dormindo em suas barracas ou sobre o piso sem nenhuma proteção.

Os funcionários da empresa que faz a limpeza dizem que os jatos nunca são disparados em direção às pessoas e suas moradias improvisadas. Já quem vive nas ruas reclama que há desrespeito porque os objetos deles acabam sempre molhados.

Tanto na Sé como no Pateo do Collegio é possível ver recipientes e restos de comida, que também são recolhidos pelos servidores.

"A gente que vive aqui recolhe tudo e separa em caixas toda a sujeira. O pessoal da prefeitura chega e só recolhe. Mas tem gente que pega a marmita e abandona por aí. A gente não concorda com isso, isso é coisa de porco", disse o desempregado Tiago Barcelos, 34, que vive no Pateo.

Ele diz ter trabalhado boa parte da vida como motorista de caminhão. "Conheci 18 países a turismo e a trabalho. Hoje estou aqui, mas sempre tive família e casa", disse.

'RAPA'

Perto dele, uma gari recolhe colchões largados.

"A gente só pega os que estão abandonados, muitos deles sujos de fezes. Se tem dono, ninguém recolhe", disse ela, que pediu para não ser identificada.

A poucos metros dali, funcionários do setor de "Remoção" percorrem a Sé para retirar objetos abandonados nos canteiros e no entorno da igreja. Amaral Henrique, 33, se aproxima da reportagem. "O 'rapa' continua retirando nossas coisas sem nossa autorização. Levam cobertor, roupa. Tá errado", disse.

Quem faz o serviço nega. "Nós perguntamos o que é lixo e o que não é. Levamos só o que é descartado. Mesmo assim, muitos não gostam da gente aqui", disse um dos responsáveis pelo serviço, que também pediu anonimato.

Quem mais resiste à presença do "rapa" é um grupo que frequenta a parte da praça conhecida como biqueira.

Ponto de uso e venda de drogas, é o espaço com mais lixo acumulado. Os moradores daquele ponto resistem à retirada de qualquer coisa, diferentemente dos que estão em outros pontos da praça. Por volta das 10h, todo o serviço de limpeza é finalizado tanto na Sé como no Pateo.

À NOITE

Iluminados pelos lustres entre as palmeiras que adornam a igreja, cerca de 500 pessoas fazem nova fila, agora à espera da "marmita da igreja". É como são chamadas as refeições distribuídas semanalmente pela Igreja Universal do Reino de Deus no marco zero da cidade.

A fila começa a se formar às 19h30, cerca de uma hora antes da chegada das vans que trazem, além da comida, os voluntários da igreja e equipamentos necessários para montar a estrutura para o jantar a céu aberto, sempre precedido de um culto.

Sentados em cadeiras de plástico, eles escutam as palavras do pastor Alessandro Rogério. "É gente que já perdeu tudo. A gente traz a palavra e a comida", disse.

Após a última citação bíblica do sermão, centenas de sem-teto deixam as cadeiras e correm em direção às mesas onde estão 800 marmitex (arroz, feijão e carne) e café.

Cada um que pega sua refeição corre para vários cantos da praça. Matam a fome ali mesmo, muitos deles de pé, apoiando a comida aos pés da estátua do Apóstolo Paulo. Depois, se espalham novamente, pouco antes de os voluntários recolherem os restos deixados. "Amanhã é sopa", avisa um sem-teto.


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