Folha de S. Paulo


Com vãos até 4 vezes maiores do que o ideal, CPTM tem mil quedas em 1 ano

A auxiliar de cozinha Larissa Fernandes, 23, estava com seu filho Daniel, 5, na estação Calmon Viana, em Poá, na Grande São Paulo, em junho. Eles embarcariam no sentido Brás, na linha 12-safira, quando ela tomou um susto ao perceber que o garoto havia caído, bem no momento do embarque.

"Meu filho caiu sentado dentro do vão. Fiquei desesperada porque o trem estava para sair", relembra. "As pessoas começaram a segurar a porta do vagão e me ajudaram a pegá-lo. Não tive nenhum socorro da CPTM ou auxílio depois. Ele se machucou, mas não foi grave".

O vão onde Daniel sofreu a queda tem 33 cm, mas não é o pior caso nas linhas da CPTM. Correspondentes da Agência Mural visitaram todas as 91 estações em funcionamento e mediram os espaços entre a plataforma e as composições.

O recorde, de 46 cm, foi encontrado em Aracaré, na linha 12-safira. Como comparação, um sapato 48 tem apenas 31 cm. "Teve gente que até quebrou a perna aqui", conta o autônomo Roger Menaro, 26.

Há vãos grandes inclusive em estações movimentadas como Osasco, onde, em média, 45 mil pessoas passam por dia e atravessam 39 cm para embarcar.

Em 2016, 989 pessoas caíram em vãos, alta de 13% na comparação com 2015, segundo dados obtidos com a CPTM via Lei de Acesso à Informação. Esse tipo de acidente é o mais comum nas estações.

Em média, os vãos das estações da CPTM tem 18 cm, quase o dobro do recomendado pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), em norma que trata do embarque de pessoas com mobilidade reduzida: 10 cm.

Nas estações da linha 3-vermelha do metrô, por exemplo, nenhuma estação tem mais de 10 cm de vão.

Tamanho dos vãos da CPTM

QUEDAS NO PICO

A situação se torna mais delicada no horário de pico. Foi às 18h, que Natália Prete, 18, caiu no vão da plataforma da Luz, na região central. "Chegou o trem e o pessoal começou a gritar e a empurrar. Não consegui me mexer e fui sendo empurrada, até que cai. Não tinha nenhum funcionário por perto e as pessoas ao redor que me ajudaram", conta.

Na mesma estação, a nutricionista Laís Amigo sofreu um problema parecido. Quando o trem abriu as portas, não havia mais espaço e ela preferiu ficar parada, em meio ao desespero e empurra-empurra de quem queria entrar. "As pessoas continuaram empurrando, até que duas mulheres me atingiram com muita força. Eu tentei entrar, mas um cara me empurrou para fora, me fazendo cair no vão". O local onde ela caiu tem mais de 20 cm.

Laís foi puxada de volta para a composição pelos próprios usuários. "Estava machucada, chorando porque estava muito assustada e descalça de um pé".

Ao chegar em Itaquera, foi desencorajada a esperar a ambulância. "Fui tratada com indiferença e ainda ouvi que eles avisam para tomar cuidado com o vão".

Outra vítima, a estudante Thaís Ferreira, 23, teve que passar por 20 sessões de fisioterapia após lesionar um ligamento do joelho, também na Luz. "Os vãos largos colaboram para os acidentes, mas a quantidade de usuários na plataforma também", diz.

Além das pessoas com deficiência, os idosos também apontam dificuldades ao embarcar. "Já vi vários acidentes. O tempo para descer do trem é muito rápido. E o vão é muito grande. Quase não dá tempo", explica o aposentado José Luís, 54, após vencer o vão de 34 centímetros da estação Rio Grande da Serra, no ABC Paulista. Ele usa bengala enquanto se recupera de uma cirurgia na perna.

Quedas em vãos entre os trens e a plataforma na CPTM

FROTA ANTIGA

A frota de trens da CPTM é bastante diversa: há desde trens dos anos 1950 que passaram por várias reformas e seguem em operação até modelos entregues há poucas semanas, que oferecem padrão similar ao do metrô.

Essa diversidade também se dá nas portas: alguns trens tem uma extensão nas portas para reduzir a distância até a plataforma, e outros não.

Várias estações da CPTM são em curva. Nelas, foram detectados maiores desníveis e mudanças. Em Francisco Morato, por exemplo, o vão vai de 15 cm a 30 cm ao longo da mesma plataforma.

Há também problemas de degraus elevados entre o vagão e a plataforma. Um dos exemplos é a Linha 11-Coral, a mais movimentada da empresa. Em ao menos quatro estações, o vão fica mais alto do que a altura do vagão, o que pode variar dependendo do trem que estiver na via. Há em alguns casos até 20 centímetros de diferença.

A situação é conhecida pelos funcionários da CPTM. "Vocês vão fazer algo para resolver esse problema?", questionou um segurança durante a medição. "Precisamos de ao menos dois funcionários para conseguir transportar quem está com cadeira de rodas."

Editoria de Arte/Folhapress

OUTRO LADO

Questionada, a CPTM afirmou que está realizando intervenções para adequar o nível das plataformas. Citou como exemplo ações feitas nas estações Brás Cubas e Guapituba, para reduzir o desnível entre trem e a plataforma e que outras 34 estações possuem projetos de acessibilidade em contratação.

"O espaço entre o trem e a plataforma nas estações da CPTM é consequência da inexistência de uma via para o transporte ferroviário de cargas, que hoje passa por dentro da cidade de São Paulo, nas mesmas vias por onde transitam os trens de passageiros. Os trens de carga são mais largos e a solução para absorver seu tráfego é a implantação do ferroanel pelo governo federal", disse a companhia, em nota.

A CPTM enfatizou que usa avisos sonoros para alertar os usuários e diz manter campanhas permanentes para prevenir os acidentes. "Em caso de eventual queda, o procedimento é interromper a circulação naquela via, realizar o atendimento imediato do usuário pelas equipes de segurança e estação. Quando necessário, a pessoa é encaminhada para atendimento médico".

Ainda sobre as ocorrências de quedas citadas na reportagem, a CPTM disse que não foram encontrados registros internos. A empresa orienta os cidadãos a procurarem um funcionário da estação em casos de acidentes para que sejam tomadas as providências necessárias de imediato.

(PAULO TALARICO, JÉSSICA MOREIRA, KARINA OLIVEIRA, LUCAS LANDIN, LUCAS VELOSO, PRISCILA PACHECO E TAMIRIS GOMES, DA AGÊNCIA MURAL, E RAFAEL BALAGO, DE SÃO PAULO)


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