Folha de S. Paulo


Combater tráfico no Rio é enxugar gelo, mas é necessário, diz secretário

Zô Guimaraes/Folhapres
RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 28-07-2017, Entrevista com o coronel Paulo Amêndola, criador do Bope e da Guarda Municipal e atual secretário municipal de Ordem Pública. Centro de Operacoes do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress, FSP-AGENCIA) ***EXCLUSIVO FOLHA****-07-2017, A estilista Silvana Loro fundou, em 2013, a marca Equal Moda Inclusiva, que faz peças adaptadas para cadeirantes e amputados. Ela também tem uma patente de uma modelagem de calça e saia para pessoas que só ficam sentadas. Na foto a estilista posa ao lado do seu primeiro modelo, Joao. Campo de Sao Bento, Niteroi. (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress, FSP-) ***EXCLUSIVO FOLHA****-07-2017, A estilista Silvana Loro fundou, em 2013, a marca Equal Moda Inclusiva, que faz peças adaptadas para cadeirantes e amputados. Ela também tem uma patente de uma modelagem de calça e saia para pessoas que só ficam sentadas. Na foto a estilista posa ao lado do seu primeiro modelo, Joao. Campo de Sao Bento, Niteroi. (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress, FSP-) ***EXCLUSIVO FOLHA****
Paulo César Amêndola, 72, secretário de Ordem Pública do Rio

Acostumado a lidar com situações de crise em suas mais de três décadas na Polícia Militar do Rio, o coronel Paulo Cesar Amêndola, 72, crê que a mais grave das crises atuais é a moral, fruto da extensa corrupção revelada pela Operação Lava Jato e que levou o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) à prisão.

"Quando a população deixa de acreditar nos políticos para administrar uma cidade, um Estado, cai tudo por terra, é o caos", diz o coronel, criador do Bope (Batalhão de Operações Especiais) e atual secretário municipal de Ordem Pública.

"Isso aumenta a ousadia dos delinquentes. Quando eles veem que uma autoridade de peso é presa por corrupção, o que pensam? 'Pô, se os caras que estão ganhando bem estão assim, eu tenho direito de assaltar também, porque estou na miséria'."

Comandando hoje a mesma Guarda Municipal que criou em 1993, na gestão Cesar Maia –com 7.480 agentes, menos da metade dos quais está efetivamente nas ruas–, Amêndola tem expandido a atuação de sua secretaria na segurança pública.

Passou a usar as 840 câmeras de trânsito para vigiar crimes e pretende aumentar o número delas. Gostaria também de dar armas de fogo a seus guardas, embora reconheça que o mau uso delas por PMs tem causado morte de inocentes.

Defende a presença das Forças Armadas na cidade, mas ressalta que elas não servem para ações policiais. Entre as soluções para a guerra contra o tráfico –que chama de "enxugar de gelo constante"–, aponta o uso da inteligência para operações pontuais nas favelas.

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Folha - O que o senhor acha do uso das Forças Armadas no Rio ?

Paulo César Amêndola - É válido, para dar uma sensação de segurança. As tropas vieram para cercar áreas críticas já mapeadas, como a Linha Vermelha, a orla da zona sul, a região de Costa Barros, onde há muito roubo de cargas. Mas eles não têm treinamento para fazer ações como a polícia. O militar das Forças Armadas tem a cultura da guerra contra o inimigo, de matar. Isso, na segurança pública, é o caos. A cultura do policial não pode ser essa, o delinquente está no meio de gente inocente.

Nas ocupações militares da Maré e do Alemão houve muitas denúncias de violação de direitos.

Sim, por isso agora não vai haver ocupação permanente, como os ministros da Defesa e da Justiça já declararam. Eles vão fazer o cerco e, eventualmente, poderão entrar [em favelas], mas são as polícias do Estado que farão as incursões.

Que papel cabe à sua secretaria na segurança, neste momento?

Se o município atua bem contra a desordem pública, em pequenas infrações e delitos, vai resolver muitas questões. Foi por isso que o [Rudolph] Giuliani [ex-prefeito de Nova York] ficou famoso. Atua na raiz do problema e você tira a sobrecarga da polícia, que não tem efetivo para cuidar de tudo.

Temos ajudado na vigilância, com as câmeras que antes só cuidavam da mobilidade urbana. Resolvemos usá-las para ver também os crimes nas ruas. Visualizamos, avisamos pelo rádio, que tem a mesma frequência da PM, e quem estiver perto, age.

A Guarda Municipal vem brigando pelo direito de usar armas não letais.

Houve a alteração da lei orgânica do município permitindo o uso, mas uma sentença judicial proibiu. Agora vamos brigar na Justiça. Não é preciso armar a tropa inteira, 70% têm condição de usar os equipamentos, tasers [arma de choque] e balas de borracha.

O senhor acha importante a guarda estar armada?

É importante porque ela tem de ter capacidade para superar todos os tipos de violência. Ela foi criada desarmada em 1993, mas os problemas foram se avolumando. Os delitos aumentaram, o grau de ousadia dos delinquentes aumentou, as circunstâncias ditaram novas iniciativas. Acho que deveria usar inclusive arma de fogo, para poder dar proteção total ao cidadão.

O prefeito Marcelo Crivella (PRB) é contrário a dar armas de fogo para a guarda.

Ele tem direito à opinião dele, e eu tenho o direito de convencê-lo do contrário. Antes, ele não queria nem o uso de armas não letais, hoje já entendeu. Aos pouquinhos, eu vou convencendo da necessidade de empregar o armamento letal.

O Rio já não tem muitas balas perdidas com apenas os PMs tendo armas?

O mau emprego da arma de fogo não é um problema da instituição, mas de alguns policiais, que usam de modo inoportuno e tecnicamente errado. A arma é essencial em algumas situações, mas a instituição precisa selecionar quem pode empregar essa arma e ensinar quando pode empregar.

O senhor acha que isso está sendo bem feito?

Não, não está, como nada no Brasil. Para portar uma arma de fogo, o agente tem de ter condições psicológicas, treinamento específico e só usá-la como recurso extremo e final. O problema é que se fazem testes psicológicos não específicos para emprego de arma de fogo, são testes apenas para atender um perfil genérico de policial.

Qual o perfil psicológico de alguém que deveria ser autorizado a portar arma?

Um controle emocional a toda prova. Em toda minha carreira, só usei arma três vezes. O policial tem de se preocupar com o cenário em que está envolvido. Se houver a menor possibilidade de um inocente levar um tiro, ele não pode atirar.

*O secretário de Educação recorreu ao senhor contra a atuação da PM em áreas escolares nas favelas

Foi para que a polícia cumprisse certos protocolos mínimos: não fazer operações em horários de entrada e saída dos alunos, não ter "caveirão" [veículo blindado] na porta de escola, para não atrair os tiros dos marginais. Não é que o secretário de Segurança ou o comando da polícia não quisessem fazer isso, mas até chegar na ponta, nos 45 mil homens, é difícil. É uma cultura que está arraigada no pessoal. O policial está com o dedo no gatilho do fuzil, recebe tiro da favela, vai dar um montão de tiro em cima de onde eles pensam que vem o tiro. É errado.

Por que a polícia retomou essa lógica de confrontos?

O tráfico voltou com força e se estruturou dentro das favelas. Complexo do Alemão, Maré, Providência, Rocinha. O número de fuzis que têm entrado nas favelas é coisa de louco, aumentou muito. Não há entrada de polícia em favela que não seja repelida a tiro. Aí vem o confronto, a reação à agressão armada dos delinquentes. Aí é que está o problema: tiro daqui, tiro dali, quem está no meio? Morre o marginal, morre o policial e o inocente paga o preço, algumas vezes.

E como se resolve isso?

Com operações inteligentes. Vai para o local, se infiltra, levanta as informações e faz ações pontuais, com equipes especializadas, sem risco, sem efeito colateral.

Mas isso não é enxugar gelo? O tráfico substitui os que são mortos ou presos.

Se não enxugar esse gelo, o Rio vira uma geleira, o Polo Norte.

O que o senhor acha da ideia de legalizar as drogas?

Creio que esteja na hora de o Congresso pensar nessa questão. Ainda não tenho opinião formada a respeito, mas [o combate ao tráfico] é realmente um enxugar de gelo constante, não resolve o problema.

*O que o senhor achou da recente ação da Prefeitura de São Paulo contra a cracolândia

Não adianta reprimir a cracolândia em um lugar porque ela migra para outro. O viciado em droga é uma questão de saúde, não de polícia. Tem de haver um consórcio de atuação entre a área de Segurança municipal e a de Saúde, para cadastrar essas pessoas que são viciadas, acolhê-las e trabalhar na recuperação social delas. Isso é um problema social.

O Rio também tem cracolândias. Que política tem sido adotada aqui?

Até agora, não temos ação efetiva dessa forma que eu falei. Está sendo estruturado um esquema para isso. Tem de haver uma articulação da Guarda Municipal com as áreas social e de Saúde da prefeitura.

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RAIO-X

1. Entrou para a Academia da PM aos 18 anos
2. Atuou na repressão durante a ditadura e chegou a prender, em 1971, o então guerrilheiro Cesar Benjamin, seu atual colega de secretariado
3.Em 1978, criou a unidade de elite da PM que se transformaria no Bope
4.Criou a Guarda Municipal do Rio, em 1993, no mandato de César Maia
5.Filiado ao PRB, é o atual secretário municipal de Ordem Pública do Rio


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