Folha de S. Paulo


'Pensei até em morte', diz soldado preso em greve de policiais no ES

"Tudo de pior que se possa imaginar nós passamos nestes 117 dias de prisão. Foi um momento surreal. Pensei até em morte". Foi com essas palavras que o soldado Caio Gumiero de Oliveira e outros quatro militares deixaram a prisão do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, em Vitória (ES), na noite da última terça-feira (25).

O grupo estava preso desde fevereiro por sua atuação durante a greve da PM no Estado, no início do ano. Eles respondem a uma série de acusações, entre elas ameaça, coação e desacato a superior. Além de Oliveira, também estavam detidos os soldados Marcos Israel Ferreira da Silva, Marcos José Seidel Mathias, Heryson Andrade Ladislau Silva e Fernando Januário Cristo.

O juiz que cuida dos casos autorizou que eles respondam os processos em liberdade e os militares estão livres para voltar ao serviço.

Em 25 de fevereiro, os cinco soldados interferiram em uma ação da Corregedoria da PM para prender o capitão Lucínio Castelo de Assumção, ex-deputado federal e apontado como um dos líderes da greve. Com isso, Assumção conseguiu fugir, mas se entregou três dias depois —ele é o único que segue preso.

"A situação ocorrida no dia 25 foi uma situação atípica e temos plena convicção que foi excessiva, sendo que com um bom diálogo e um tom de camaradagem teríamos outro desfecho", diz Oliveira.

A ação foi o ápice dos 21 dias de greve dos militares, que começou quando os policiais e o governo não entraram em acordo para um reajuste dos salários. Durante a paralisação, pelos menos 199 pessoas morreram no Espírito Santo, conforme levantamento do Sindicato de Policiais Civis do Espírito Santo.

SIMBÓLICO

Para Oliveira, a prisão dele e dos colegas prejudicou toda a PM. "A humilhação não foi só da parte da gente, e sim da Policia Militar como um todo. Nossa prisão representou uma grande injustiça contra a tropa. É complicado os familiares chegando de manhã e depois do tempo de visita seu pai e sua mãe irem embora com lágrimas nos olhos, sem ter certeza de quando seus filhos vão sair", diz.

Segundo Valdenir Junior, advogado da Associação de Cabos e Soldados do Espírito Santo, eles são acusados em um processo penal militar e podem ser expulsos da corporação. "Eles estão soltos porque entendeu-se que a liberdade deles não se atenta à resolução do processo", explicou.

Onda de violência no ES
PM está em motim desde o dia 3 de fevereiro

Para o advogado, as prisões foram simbólicas. "Foi uma forma de resposta do governo para a tropa, sem dúvida. Segundo os fundamentos dos autos, eles precisavam ser presos para preservação de hierarquia de disciplina. Isso é uma falácia".

Associações que representam os militares concordam com a tese de que os soldados foram presos como forma de recado para o restante da tropa. "Não há como garantir, mas nem descartar, uma nova paralisação", disse o tenente-coronel Rogério Fernandes Lima, presidente da Assomes (Associação dos Oficiais Militares do Estado).

Os militares reclamam, dentre muitas demandas, da mudança na legislação de praças e oficias, dos processos administrativos contra policiais e da extinção do Batalhão de Missões Especiais.

A Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo disse em nota que desde o fim da greve "vem trabalhando para retomar a estabilidade da segurança dos capixabas, atuando em parceira com as polícias Civil e Militar" e que mantém canal aberto de diálogo com os representantes dos militares.

Afirma ainda que tem feito investimentos em "regiões estratégicas" do Estado e que comprou 247 novas viaturas para a PM.


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