Folha de S. Paulo


Morador de rua reclama de jato de água da gestão Doria em frio recorde

Fábio Vieira - 19.jul.2017/FotoRua/Folhapress
SÃÉO PAULO, SP, 19.07.2017: MORADORES-DE-RUA - Moradores de rua e ativistas, fazem um protesto contra o prefeito João Doria (PSDB), durante a entrega de cobertores no metro Marechal Deodoro, centro de São Paulo (SP), na noite desta quarta-feira (19). (Foto: Fðbio Vieira/Vieira/Folhapress) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
Moradores de rua e ativistas fazem um protesto contra o prefeito João Doria (PSDB), durante a entrega de cobertores no metro Marechal Deodoro, centro de São Paulo (SP), na noite desta quarta-feira (19)

Após a madrugada mais fria do ano, moradores de rua da praça da Sé, no marco zero da cidade de São Paulo, amanheceram com jatos de água de equipes municipais –que também removeram barracas e deixaram roupas e cobertores molhados.

A ação de limpeza, feita rotineiramente pela gestão João Doria (PSDB), foi alvo de queixas e críticas nesta quarta-feira (19), após a capital ter registrado 7,9ºC –a temperatura mais baixa até então havia sido de 8,6ºC, em 5 de julho.

"Jogaram água logo cedo e voou vapor de água sobre todas as barracas. Estava muito frio. Fizeram a gente desmontar as barracas. Não temos mais paz para ficar aqui. O que eles querem fazer é ocultar a gente da sociedade", disse Alyson Almeida, 20, que dorme na praça da Sé há quatro anos e se queixou da ação iniciada às 6h30.

"É uma humilhação isso aí, e no maior frio. A gente estava dormindo e chegaram jogando água. Eles molham todo mundo, não estão nem aí. Depois quem morre é a gente, e não eles, que têm as casas e os empregos deles", disse Daniela Batista de Oliveira, 28, outra moradora de rua.

As reclamações retomam uma polêmica acentuada no último ano da gestão Fernando Haddad (PT) em relação ao tratamento dado por agentes públicos a moradores de rua no período de inverno.

Em 2016, a gestão petista foi criticada após GCMs (Guardas Civis Metropolitanos) confiscarem colchões e papelões dessa população no frio.

Haddad alegava que a medida visava evitar uma "favelização", mas acabou depois criando um decreto para proibir a retirada desses bens.

A ação na praça da Sé, noticiada pela rádio CBN e confirmada à Folha por testemunhas, ocorreu também um dia após a confirmação da morte de um morador de rua em meio à onda de frio –em Pinheiros (zona oeste), encontrado sem sinais de violência, indicando que a temperatura pode ter sido um agravante.

A gestão tucana disse que notificou as empresas de limpeza "para que apurem se houve intercorrência". "Houve nessa circunstância um descuido. Então isso serviu de alerta para que o [vice-prefeito e secretário] Bruno Covas pudesse informar a todos os prefeitos regionais para que tivessem mais cuidado nos serviços de limpeza", afirmou Doria, em referência aos pertences de moradores de rua que foram molhados.

O tucano negou, porém, que jatos de água tenham sido direcionados aos moradores. "Por uma circunstância, molharam alguns cobertores das pessoas em situação de rua. [Mas] jamais profissional, seja da prefeitura ou terceirizado, jogou jatos de água nas pessoas. Essa é uma mentira", disse Doria, em vídeo divulgado em rede social.

À noite, ele foi à região da estação Marechal Deodoro do metrô para distribuir cobertores. Acabou sendo hostilizado por um grupo, incluindo alguns moradores de rua, aos gritos de "assassino".

"Os termômetros estavam marcando menos de 10ºC. Vieram tirar barraca, jogaram água cedinho, começaram a brigar para não levar os pertences. O prefeito tinha que dar uma assistência melhor", disse José Carlos dos Reis, 59, morador de rua da Sé. Doria disse que a operação de limpeza da praça da Sé e de outros pontos "precisa ser feita, evidentemente".

Segundo a gestão Doria, as pessoas são abordadas, informadas sobre a ação e, em seguida, é solicitada a retirada dos pertences do local. A gestão tucana afirmou que equipes intensificaram as abordagens no frio para convencer as pessoas em situação de rua a aceitarem acolhimento em abrigos.

Tanto na terça como nesta quarta, a Folha conversou com moradores que diziam não conseguir vaga –a prefeitura nega falta de espaço. "Cheguei às 13h e pediram para eu voltar às 16h, que aí teria vaga. Não tem", disse Almerindo Cruz, 59, no centro de acolhimento das imediações da praça Princesa Isabel.

Às 16h30, 15 pessoas aguardavam do lado de fora para tentar entrar. Vigilantes diziam que não havia vagas e que era necessário esperar senha. "Como não tem vaga? Aqui era nossa única opção. Se eu for a algum albergue agora já estará cheio também", afirmou Vagner Amaro, 48.

A poucos passos do centro de acolhida, um caminhão-pipa da prefeitura despejava água na praça Princesa Isabel. A medida foi tomada após usuários da cracolândia irem para lá temporariamente.

PREFEITURA

A gestão Doria diz ter pedido aos prefeitos regionais para que reforcem os procedimentos corretos a serem adotados por empresas de limpeza, mas nega que jatos de água tenham sido lançados em moradores de rua. Ela diz que entregou mais de mil cobertores em diversas regiões e intensificou as abordagens para convencer as pessoas a aceitarem acolhimento.

A prefeitura nega falta de acolhimento, diz que criou vagas adicionais (nesta quarta, inaugurou unidade para 460) e que todos encaminhados ao centro visitado pela reportagem foram acolhidos.

LUXO

Nos Jardins, região próxima geograficamente e distante economicamente da Sé, o frio não foi problema nesta quarta (19): atraiu turistas interessados em se vestir bem, conhecer as lojas exclusivas e tomar bebidas quentes.

"Vim dar uma volta na Oscar Freire depois de passear no Ibirapuera. O frio é bom para tomar café, sentar, comer um bolo", diz a quiroprata Raquel Korbes, 31, que mora em São José dos Campos. "No frio, as pessoas se vestem bem melhor e parecem mais chiques. Não fica aquela coisa vulgar do verão."

"Independente da região e da classe social, as pessoas ficam mais elegantes no inverno", diz Rosângela Lyra, presidente da Associação de Comerciantes dos Jardins. "O frio de São Paulo está parecido com o de um país muito desenvolvido, o que não somos ainda", acrescenta.

Zanone Fraissat/Folhapress
SAO PAULO/SP BRASIL. 19/07/2017 - Cafe na Rua Oscar Freire - Paulistanos enfrentam o frio em deferentes regioes da cidade.(foto: Zanone Fraissat/FOLHAPRESS, COTIDIANO)***EXCLUSIVO***
Pessoas em café na rua Oscar Freire, nesta quarta (19), na zona oeste de São Paulo

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