Folha de S. Paulo


Presos receberam comida imprópria para humanos no ES, diz relatório

Um grupo de detentos em presídios do Espírito Santo foi alimentado com comida imprópria para consumo humano, segundo relatório do governo estadual ao qual a Folha teve acesso.

O relatório da Gerência de Controle, Monitoramento e Avaliação de Gestão Penitenciária, da gestão estadual de Paulo Hartung (PMDB), aponta que alguns presos estavam sendo alimentados com refeições que continham "recortes de carne suína", que, de acordo com o documento, é de uma "carne industrial utilizada exclusivamente como insumo de produção de embutidos e processados".

A informação foi confirmada pelo Idaf (Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo), órgão do governo estadual responsável por fazer a vigilância sanitária dos produtos de origem animal.

O laudo aponta que a carne não passou pelos processos necessários para ser levada devidamente à mesa. No estágio em que se encontrava, o alimento poderia ser usado apenas como matéria prima na produção de embutidos. Há indústrias, inclusive, que utilizam a carne nesta etapa para alimentar animais.

João Wainer - 11.mar.2010/Folhapress
Presos em delegacia de Novo Horizonte, no Espírito Santo
Presos em delegacia de Novo Horizonte, no Espírito Santo

De acordo com o relatório, uma médica veterinária do Idaf, via e-mail, constatou que aquele tipo de corte "é de uso exclusivo para fins industriais, não sendo, portanto, permitido seu uso para preparação de refeições".

Grande parte dos detentos contaminados ficaram doentes após comer pão com presunto oferecido nas unidades prisionais. A contaminação, segundo o relatório, foi confirmada pela Vigilância Epidemiológica após análise em água e fezes de presos.

"O produto em questão era impróprio para o consumo humano por conter indicadores da presença de bactérias patogênicas e número elevado de estafilococos coagulantes positivas", declara a Secretaria Estadual de Saúde.

A série de irregularidades ainda incluiu substituição irregular de carnes por embutidos, possibilitando ganho para a empresa, fornecimento de alimento com peso inferior ao contratado e entrega de refeições em veículos inapropriados.

Diante das denúncias, a secretaria de Estado de Justiça abriu procedimento administrativo para apurar as irregularidades cometidas pela empresa Cozisul, responsável pela alimentação dos internos. O processo tramita sob segredo dentro da pasta.

Ciente das denúncias do relatório, o deputado estadual Euclério Sampaio (PDT) acaba de pedir que a secretaria de Controle e Transparência investigue os contratos da Cozisul. "Eles não têm respeito nenhum pela vida. É um descaso. O ser humano precisa ter direito a dignidade", disse Sampaio.

Entre janeiro de 2012 e maio de 2017 foram abertos 380 processos administrativos contra a Cozisul para apurar irregularidades encontradas em fiscalizações.

A empresa é dona de 13 dos 34 contratos de fornecimento de alimentos firmados com o governo estadual. Com isso, a companhia é responsável pela alimentação de 53% dos cerca de 19 mil presos do sistema prisional capixaba. Em 2016, o faturamento da Cozisul foi de R$ 43 milhões.

OUTRO LADO

A reportagem entrou em contato com a Cozisul, mas foi informada que os diretores não estavam presentes e não poderiam falar sobre o assunto.

Já o secretário de Justiça do Espírito Santo, Wallace Tarcísio Pontes, disse que a partir de agora a fiscalização sobre a empresa será mais intensa. Segundo ele, o problema só foi descoberto após um pente-fino feito pela própria pasta.

"Todos os documentos do relatório partiram de uma fiscalização do governo. Somos muito rigorosos, detectamos as falhas e agora vamos acompanhar todo o processo de cumprimento do que é estabelecido por contrato para os nossos detentos", afirmou.

Ele disse ainda que a situação "passou do inaceitável" e que a empresa tem dez dias para esclarecer o caso.

"Ela já foi notificada 380 vezes e esse caso, de gravidade maior, nos impõe um acompanhamento maior. O Estado passará a fiscalizar a empresa dentro de suas cozinhas. Chegou ao limite do intolerável. Vamos reprimir duramente", garantiu.

Pontes também confirmou que presos passaram mal após ingerir sanduíches. "Usaram produto fora do acondicionamento antes de servir, provocando problemas", afirmou.


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