Folha de S. Paulo


Em projeto social, tatuador doa seus desenhos a quem quer cobrir cicatrizes

A blusa revela o que parece ser a alça de um sutiã no ombro de Wanessa Aparecida da Silva, 35. Ela não hesita em mostrar, por baixo da roupa, uma flor adornando o seio completamente reconstruído. Submetida a uma mastectomia radical, Wanessa é uma das beneficiárias do Marcas da Vida, projeto do tatuador Carlos Galina, 31.

Baseado em Pouso Alegre (MG), Galina cobre cicatrizes de pessoas que não têm como pagar pelo serviço desde 2015. O tatuador não recebe nada pelo trabalho e, até pouco tempo atrás, chegava a pagar pelas tintas e equipamentos necessários para fazer os desenhos. Há um ano, fez uma parceria com uma empresa do ramo, que passou a contribuir com os insumos.

Galina tatua desde os 16 anos, mas faz pouco tempo que passou a se dedicar exclusivamente à profissão. Antes vitralista, há quatro anos trocou de vez as igrejas do sul de Minas Gerais pela epiderme dos clientes.

Entre queimaduras, talhos de faca e cicatrizes de cirurgias, Galina estima ter atendido cerca de 30 pessoas de graça. Se cobrasse, os preços dificilmente seriam inferiores a R$ 1.000. Segundo o tatuador, os desenhos são mais trabalhosos que as tatuagens convencionais.

"Tatuar pele lisa é como dirigir em pista asfaltada, a possibilidade de erro é menor. Cicatriz é estrada de terra", diz.

DE LONGE

Para entender a consistência de queloides e afins, Galina estudou livros de dermatologia. À medida em que o projeto se consolidava, médicos da cidade chegaram a encaminhar aos cuidados do tatuador os pacientes egressos do pós-operatório.

A fama se disseminou a ponto de, semanas atrás, uma cearense de Itapipoca ter viajado cerca de 3.000 km para bater à porta de Galina. A mulher tinha sido vítima de um incêndio quando criança –o que lhe valeu uma queimadura que cobria toda a perna direita e parte do abdômen. Hoje, sobre a lesão brota uma roseira de 40 cm.

Para evitar aproveitadores, Galina estabeleceu critérios para os tipos de marcas elegíveis para o projeto: não aceita abdominoplastias, cicatrizes de cesariana nem estrias. A lesão tem que decorrer de algo "traumático".

"Outro dia apareceu um cara com marca de vacina pedindo uma tatuagem igual à do The Rock [ator americano], que cobre o braço todo. Aí não dá", esclarece.

Galina está em São Paulo para participar da Tattoo Week, convenção que ocorre neste fim de semana no Expo Center Norte. A ideia é lançar o Marcas da Vida em âmbito nacional. Ele já captou doações de dez empresas para ampliar o projeto.


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