Folha de S. Paulo


'Rei da gambiarra', dono de bar transforma terreno em parquinho

Alexandre Rezende/Folhapress
José Adair de Oliveira no parquinho que construiu com sucata em frente ao seu bar
José Adair de Oliveira no parquinho que construiu com sucata em frente ao seu bar

Cansado de ver pilhas de entulho e lixo se acumularem na margem do córrego em frente a seu bar, José Adair de Oliveira, 41, resolveu transformar o espaço em um parquinho improvisado –o único do Icaivera, bairro da periferia de Contagem (MG), cidade na região metropolitana de Belo Horizonte.

Nego, como é conhecido pelos moradores, usou materiais descartados ali e em outros pontos da vizinhança para construir brinquedos, mesas e cadeiras. Há no parquinho bancos cujos encostos são cabeceiras de cama reaproveitadas e uma réplica de motocicleta feita com peças automotivas e pneus recortados. "Sempre fui meio 'gambiarreiro'", diz, aos risos.

Outra das invenções de Nego deixou o parquinho provisoriamente no início deste ano para viajar ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), onde ficou exposta por um mês, poucos andares abaixo de onde estão pinturas de Picasso, Van Gogh e Portinari.

A gambiarra –um conjunto de bancos improvisados com vasos sanitários preenchidos com concreto e com as palavras "BAR do NEGO" escritas com o dedo– foi uma das peças selecionadas na "Convocatória para um Mobiliário Brasileiro", do artista Jonathas de Andrade. "Privada Pública" foi o título escolhido por Nego para a inscrição no concurso.

"Fiquei muito agradecido de conseguir levar o nome do Icaivera [para o Masp]. Foi um motivo para eu reciclar mais coisas", diz.

Alexandre Rezende/Folhapress
José Adair de Oliveira no parquinho que construiu com sucata em frente ao seu bar
José Adair de Oliveira no parquinho que construiu com sucata em frente ao seu bar

Até o cortador de grama usado por Nego na manutenção do parquinho é produto de reaproveitamento: um motor de liquidificador com um fio de nylon no lugar das lâminas, atado a um cabo de vassoura. Questionado sobre a origem da inspiração para seus engenhos, responde: "Youtube e enciclopédias".

Durante 20 anos trabalhando com acabamento em canteiros de obras, Nego aprendeu as habilidades que hoje usa em suas criações. Afirma que, se tivesse cursado faculdade, gostaria de ter se tornado arquiteto.

Mesmo sem diploma, a arquitetura improvisada do dono de bar deu certo. Segundo ele, parte do sucesso do comércio se deve à construção do parquinho. Nego estima que o local receba de 50 a 100 crianças por semana. Junto com elas, chegam os pais, que consomem no bar.

Sem saber, Nego criou sua própria versão dos parklets (minipraças mantidas por comércios no lugar de vagas de estacionamento), regulamentados em cidades como Belo Horizonte e São Paulo, mas inexistentes em Contagem.

Esse urbanismo espontâneo chamou a atenção do estudante de arquitetura Ilberson Paixão, morador do Icaivera. Ele se juntou a outros moradores para pedir à Prefeitura de Contagem que se assegure a permanência do parquinho, instale iluminação e feche a rua ao trânsito de carros no fim de semana.

Segundo a professora da Escola de Arquitetura da UFMG Laura Castro, o pedido dos moradores pelo reconhecimento do parquinho é viável, como mostra o exemplo dos parklets, hoje regulamentados, mas que também começaram como práticas "de guerrilha".

Por ser margem de curso d'água, o terreno é público e tem proteção ambiental. O local já recebeu a visita de fiscais, que consideraram a situação regular por não haver uso de concreto ou desmate –desde que foi adotado por Nego, o terreno conta com novas árvores, "todas frutíferas". "Tem romã, amora. Quero trazer a natureza para cá."


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